Créditos: Imprensa SINSSP

Nesta semana a série “Qualidade de Vida e Envelhecimento Ativo” vai reproduzir uma entrevista com a professora aposentada da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each-USP), Ângela Maria Machado de Lima Hutchison, sobre velhice e envelhecimento como uma questão sócio vital complexa.

O material foi publicado no Podcast “Diversidade em Ciência” e o jornalista e professor da ECA-USP e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP, Ricardo Alexino Ferreira, entrevista a convidada que há várias décadas vem estudando saúde, envelhecimento e o autocuidado.

Ricardo Alexino Ferreira – Eu vou começar perguntando como a gente deve chamar as pessoas que são consideradas idosas? Chamo de velho, chamo de idoso, são vários termos, né? Tem até um que eu acho que é muito preciso, “melhor idade” e a gente não sabe muito bem, qual o melhor termo que respeita a cidadania.

Professora Ângela – Esse tema muito interessante ao qual se chama a atenção porque há vários termos, idoso se refere a como o Estatuto do Idoso qualifica a pessoa de 60 anos ou mais no Brasil. As pessoas, muitas vezes, não aceitam a situação de serem chamadas de velhos, mas depende do indivíduo. Uma pessoa militante recebe muito bem a palavra velho, velha. De forma geral, falar “velho”, parece um xingamento, melhor idade, maioridade, velho a mais tempo, aliás “jovem a mais tempo”, terceira idade, tudo isso é uma invenção recente. Tem uma conotação de positivar a condição de ser idoso, mas muitas vezes acaba negando. A condição de ser idoso também traz sofrimento, perdas, então pode ser um estereótipo também, a depender da situação a pessoa idosa parece bem interessante porque qualifica os direitos, ou seja, com a velhice vem os direitos como cidadão. Na verdade, não existe o certo ou errado, mas existem nuances em relação a isso.

Ricardo Alexino Ferreira – Muitas vezes parece que também existe uma “medicalização” do idoso ou do velho, pensa-se nele só na questão dentro do âmbito da saúde. Você concorda com isso?

Professora Ângela – Dentro desse ponto da “medicalização” a gente pode dizer que o problema é considerar velhice uma doença. Então, se uma das características do envelhecer é ter certas doenças, mas se comparar um velho ou idoso ou terceira idade, enfim, comparar uma pessoa com mais de 60 anos com pessoas de faixa etária mais jovens, por exemplo, crianças, e tentar ver nessa faixa etária quantas doenças aparecem e contabilizar as doenças também na pessoa mais velha, as crianças têm muito mais possibilidade de adoecer. Porque o sistema imunológico não está desenvolvido e não é verdade que o idoso adoece mais, ele adoece de certas condições e as vezes são mais graves, são condições crônicas e muitas vezes elas são condições incapacitantes. Aí sim se nós falamos de incapacidade, comparamos as faixas etárias, estamos mudando um pouco o eixo da discussão, mas a “medicalização”, chamando a atenção para essa pergunta que é muito boa, é reduzir a condição da velhice a condição da doença mais grave e mais próxima.

Ricardo Alexino Ferreira – Você tem uma carreira que é muito interessante, muito coerente. A sua tese de doutorado defendida também pela USP, saúde, envelhecimento, o autocuidado como questão, o tempo todo, todos os seus trabalhos seguem nessa perspectiva. O que você já queria dizer quando você tá falando autocuidado como questão?

Professora Ângela – Essa minha tese tem início nos anos 2000. O que eu estava falando naquele momento era justamente a discussão do cuidado e do autocuidado, porque eu sou da área de saúde coletiva. Essa pesquisa está cunhada na área de saúde coletiva, perceber como se oferecem cuidados e como a pessoa também consegue. Se cuidar foi uma questão naquele momento, eu olhei idosos que são favelados, comunidade favelada. Para entender sobre envelhecimento é preciso saber sobre envelhecimento populacional e o envelhecimento nos indivíduos, são duas coisas diferentes. Quando nós falamos envelhecimento populacional, nós estamos falando de variáveis demográficas que compõem a possibilidade de uma população envelhecer ou não. E aí para falar de uma forma mais concreta são três as variáveis clássicas que é diminuição da mortalidade, aumento da expectativa de vida e diminuição da fecundidade. O envelhecimento populacional depende muito mais da taxa de fecundidade do que o controle das doenças e mortalidade e isso reflete na expectativa de vida. O Brasil foi ganhando expectativa de vida. Então eu levantei até o que aconteceu na expectativa de vida no Brasil com o cenário da COVID-19. Nós brasileiros perdemos dois anos de expectativa de vida em 2020. Então o Brasil tem mais ou menos 40 milhões de pessoas idosas de 60 anos numa população de 210 milhões. Então há cerca de 18% da população dos brasileiros e brasileiras são pessoas idosas. Mas isso significa um fenômeno também complexo, eu até costumava fazer uma brincadeira com meus alunos na sala de aula, que todo ano nasce uma pessoa idosa.

Ricardo Alexino Ferreira – Uma pessoa aos 60 anos pode ser considerada uma pessoa idosa? Esse referencial é mais recente? Eu estou te perguntando isso por que a pessoa de 60 anos está ainda muito no estado produtiva, eu não sei se é um preconceito dizer que um idoso não é produtivo nessa minha fala, mas aos 60 anos a pessoa ainda está com grande vitalidade, você concorda?

Professora Ângela – Precisa explorar essa tua pergunta em duas direções, qual é o marcador para o envelhecimento? É um marcador para a aparência, quando fica mais velha a pele muda, cabelos brancos, rugas. Tem o marcador interno, que os órgãos internamente também mudam, a mulher para de menstruar, questão de menopausa, tem modificação do homem também chamada de andropausa. Aí tem um marcador social que em geral é a expectativa de vida, porque 60, 65 anos no Brasil? Justamente isso que você chama atenção para sua pergunta. Pode haver mais anos de trabalho, então isso também incide na questão de aposentadoria. Ao fazer um recorte desse tipo coloca as pessoas necessariamente numa posição que nem sempre a gente verifica, então esses meus idosos lá da comunidade aos 60 anos não tem a mesma funcionalidade do idoso que tem as facilidades de uma vida econômica mais abastada. Então isso tem a ver com expectativa de vida, mas também a produtividade tem a ver com que a pessoa consegue produzir vindo de uma determinada situação social.

Ricardo Alexino Ferreira – Inclusive, eu gostaria de perguntar a questão étnica, como ela funcionaria numa pessoa idosa negra e numa pessoa idosa não negra ou branca?

Professora Ângela – Interessante porque de fato estamos falando de diversidade, diversidade econômica, diversidade cultural, faz toda diferença, então, no Brasil, estrutura social é pouco justo, no ponto de vista econômico acaba tratando ou cuidando do cidadão de forma diferenciada. E aí entra as questões étnicas também.

Ricardo Alexino Ferreira – Você é médica sanitarista, né? Como é que se dá o diálogo entre a médicos sanitaristas e médicos geriatras?

Professora Ângela – O geriatra é um especialista, é como um clínico geral da pessoa idosa. Em geral, o médico geriatra é muito interessante de fazer uma ponte né?  Porque o médico geriatra ele tende a considerar a pessoa como um todo no seu aspecto biopsicossocial só que com foco mais na patologia ou na ausência da patologia que percebe a questão da rede social, da família. Já a formação do médico sanitarista é para as questões populacionais, mas pode passar pelos indivíduos também. É lógico que não há população sem indivíduos certamente, não tem como separar o idoso indivíduo da população, mais tem fenômenos que são comuns e outros que são específicos, então há problemas que são mais raros e os que são mais comuns, mas a conversa com geriatras de uma forma geral, pelo menos na minha experiência, é uma conversa muito interessante.

Fonte: Jornal da USP, Podcast “Diversidade em Ciência”