O Brasil superou nesta segunda-feira (26) a marca de 550 mil mortos pela covid-19. Num período de 24 horas, entre as 16h de domintgo e hoje, foram 578 vítimas notificadas pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Foram 18.999 novos casos no período, totalizando 19.707.662 desde o início da pandemia, em março de 2020. Às segundas-feiras, os números são inferiores à média, já que existe menor número de trabalhadores no campo da medicina diagnóstica ativos aos domingos. Isso tende a ser corrigido nos períodos seguintes.
Embora os dados sejam subnotificados, o avanço da vacinação segue apresentando resultados positivos no país. As faixas etárias mais elevadas seguem tendência de maior recuo em hosiptalizações e mortes, conforme são vacinadas. Nos estados, o processo de imunização inicia-se dos mais velhos para os mais novos. Os bons resultados, contudo, ainda são reféns da lentidão no processo. Até o momento, 18,49% dos brasileiros, apenas, estão imunizados com duas doses, e 49,04% receberam a primeira etapa da vacinação.
Escassez
A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica como ideal para controle da covid-19 uma porcentagem de imunização superior a 80%. Portanto, há um longo caminho a ser percorrido. Hoje (26), oito capitais suspenderam a aplicação das primeiras doses por falta de imunizantes: Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Maceió, Rio de Janeiro, Salvador e Vitória.
O médico e ex-presidente da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) Gonzalo Vecina acredita que o coronavírus segue sua trajetória de alta letalidade no país. “Não temos perspectiva de voltar à normalidade. Enquanto não vacinarmos a população, a única alternativa são as medidas não farmacológicas”, disse, em entrevista promovida hoje pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Vecina afirma não ver ações do governo do Brasil em políticas públicas para a superação da pandemia de covid. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro adotou uma postura negacionista diante da covid-19, estados abandonaram em massa as proteções aos cidadãos, como isolamento social. “Uma pandemia como esta, nosso presidente acreditou que ela terminaria se todos tivessem a doença. Alguém convenceu o presidente que se todos pegarem, a pandemia acabava. Com isso, milhões morreriam. Não dá pra atingir imunidade de rebanho a partir de casos”, afirma.
Vacinação e prevenção
“Sabemos fazer vigilância epidemiológica. Devemos informar ocorrência de casos e fazer bloqueios. E não estamos fazendo. Bloqueio é lockdown, como dizem atualmente. Sempre que temos crescimento no número de casos, a única alternativa que temos é através do bloqueio”, completa Vecina.
Enquanto governadores e prefeitos arriscaram, de forma tímida, medidas de isolamento, o governo federal sempre atuou como opositor à proteção dos brasileiros e “aliado” do vírus. Incentivou e promoveu aglomerações, ridicularizou mortes, disseminou mentiras sobre a segurança das vacinas e uso de máscaras, e ligou a compra tardia de vacinas a um esquema de corrupção, em investigação na CPI da Covid. “Não temos perspectiva de voltar à normalidade. Não existe jeito para o fim da doença. A alternativa é vacinar”, relata Vecina.
O médico reforça que “estudos apontam que a imunidade provocada pela infecção não é duradoura e não leva em conta novas mutações da covid-19. Logo, apenas a vacina apresenta-se como realmente eficaz. Essa doença se propaga em ondas. Temos que evitar encontros entre pessoas que não tenham sido vacinadas e o vírus. Você já ter tido a doença não te protege. Novas cepas, variantes, como a gamma e a delta, que está entrando no Brasil, elas podem reincidir. Cerca de 30% da população de Manaus que já tinha tido a doença, na segunda onda, tiveram novamente. No caso das pessoas que tomaram vacinas, a probabilidade é de forma branda”, disse.
Todas funcionam
Vecina também reafirma a importância da vacinação com qualquer dos imunizantes disponíveis. Todos eles são eficazes e apresentam bons resultados concretos na proteção à covid-19. “Precisamos ficar espertos. Ter tido a doença não te protegemnecessariamente. Vacinas te protegem, mas não existe 100%. A experiência de Serrana, com 45 mil habitantes e 96% dos adultos vacinados, aponta que 95% das mortes caíram. Praticamente zeramos. E 85% dos casos graves caíram. Graças à vacina, no caso a CoronaVac.”
Perigo à vista
O neurocientista brasileiro coordenador do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, Migue Nicolelis, acredita que novas ondas podem provocar o aumento expressivos de mortes. “Diferente da maior parte dos comentaristas da grande mídia brasileira, não acredito que o pior passou. Não acredito que a pandemia sequer está próximo de acabar. Um mês atrás estávamos passando por 500 mil óbitos. Em janeiro disse que ou faríamos lockdown ou não daríamos conta do vírus. Acharam absurdo porque os números estavam e recuo. De repente, em março, tivemos a maior letalidade. É o ano com maior letalidade da história do Brasil. De 100 mil óbitos por mês, da média brasileira nos últimos anos, em março, tivemos 188 mil óbitos.”
Em foco, a disseminação da variante delta do coronavírus. Até 70% mais letal, a cepa identificada pela primeira vez na Índia começa a se disseminar pelo Brasil. Por onde passou, como Ásia, Oceanía e Europa, a mutação provocou aumento de mortes, casos e obrigou países a adotarem medidas intensivas de isolamento social. “Suponhamos que 100 milhões de brasileiros tiveram contato com o coronavírus, isso tirando a subnotificação dos números oficiais. A proteção por contato é pequena. O número de vacinados é pequeno. Então, temos uma população suscetível é grande”, disse.
Fator Bolsonaro
Nicolelis vê desafios maiores, que já deveriam ter sido superados, em razão do bolsonarismo. Para o cientista, o “pecado original” que levou o Brasil a ser o epicentro da pandemia de covid-19 no mundo e segundo país com mais mortos, o comportamento presidencial. “Quando a pandemia ficou clara, o Brasil pecou por não se preparar com uma mensagem clara para todo o país. Uma decisão estratégica clara de combater a pandemia. Não só não houve decisão de combater a pandemia, que todos sabemos. Se tomou a decisão de apostar numa suposta impossível imunidade de rebanho. Parte de um projeto negacionista oficial. Uma política de Estado de não fazer o que deveria ser feito”, acrescentou.
“Não fechamos o espaço aéreo, não compramos insumos para combater a pandemia e propagamos mensagens falsas sobre medicamentos que não funcionam. Tinham projeto de lucrar com a pandemia por vias escusas. Isso se conclui com a compra de vacinas em momento inadequado e quantidade abaixo do necessário para que a imunização fosse efetiva”, completou, ao fazer referência aos escândalos de corrupção que envolvem a gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro.