CGU investiga Dataprev pelo repasse de banco de dados do INSS para o Serpro
Com dois anos de atraso, a Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu investigar o compartilhamento do banco de dados do INSS para o Serpro feito pela Dataprev. A movimentação das informações ocorreu em 2020 sem nenhum contrato ou acordo entre as empresas estatais. Simplesmente os dados foram repassados por ordem da então presidente da Dataprev, Christiane Edington, mesmo sem amparo legal ou aconselhamento jurídico dentro da empresa. Não houve sequer uma auditoria interna depois para averiguar a conduta da direção, apesar deste blog ter denunciado na época a irregularidade.
Os dados repassados, os cadastros de brasileiros inscritos no INSS, serviram para a Secretaria de Governo Digital “engordar” a relação de inscritos na plataforma “cidadão,br” e também servir de propaganda para o governo Bolsonaro alardear o avanço da plataforma Gov.br na Transformação Digital.
Em Ofício nº 355/2023/CGLOG/DAE/SFC/CGU; encaminhado ao Auditor Interno da Dataprev, Fábio Silva Vasconcelos, assinada digitalmente pelo Coordenador-Geral de Auditoria de Estatais dos Setores de Logística e Serviços, Substituto, Leandro Barbosa Martins, a Controladoria-Geral da União solicitou informações sobre o repasse dos dados. Não se sabe se a Dataprev já respondeu aos questionamentos.
A CGU primeiro quer ter acesso à documentação relacionada ao compartilhamento das bases de dados do INSS ao Serpro “no que concerne à base de dados da plataforma “Cidadao.br”. Além disso, a Controladoria quer ter acesso a toda a documentação interna que contribuiu para a formação do acordo:
a – Atas das reuniões da diretoria executiva dos anos de 2020 à 2022 que tenham como pauta o tratamento e/ou compartilhamento da base de dados do titular INSS (Cidadao.br) com a SERPRO, ou outro órgão, a fim de servirem de insumo para o projeto “Gov.br”;
b – Normativos internos que disciplinam o compartilhamento pela Dataprev dos dados de terceiros que são tratados pela entidade. Também, informar se a Auditoria Interna da estatal ou outro órgão de controle realizou algum trabalho de auditoria específico em relação às supracitadas transações e, em caso positivo, no caso da estatal, disponibilizar o(s) resultado(s) da(s) análises.
Segundo fonte ligada ao Jurídico da Dataprev, na época o departamento foi procurado pelo então Superintendente da Unidade de Negócios, Alexandre Pires Pelliccione, para falar do compartilhamento. Recebeu como orientação, que a Dataprev formalizasse o acordo com o Serpro e que tivesse uma contrapartida financeira e vantajosa para a empresa.
“Depois disso, não provocaram mais o jurídico interno e trataram diretamente com a Diretoria“, informou a fonte da estatal, explicando que depois disso só tomaram conhecimento de que houve o repasse dos dados.
“Chegamos a alertar a Cristiane (ex-presidente da Dataprev – Christiane Edington) e a Isabel (Isabel Machado dos Santos – Diretora Jurídica, Riscos, Gestão e Governança) sobre a irregularidade, mas elas disseram que estavam tratando com o Ministério. A partir daí não tive mais informação direta delas”, explicou a fonte.
Disse ainda que, a partir daquele contato inicial com Pelliccione, não viu nenhum convênio formal sobre o tema. “Não sei se produziram algo extemporâneo, mas não teve um convênio de repasse de dados chancelado pelo jurídico interno da época“, afirmou.
Receitas estimadas
Quanto valeria para a Dataprev o compartilhamento de dados do INSS com o Serpro, se houvesse um acordo operacional nesse sentido? Ninguém sabe explicar, já que não houve nenhum estudo técnico ou comercial que se tenha notícia. Segundo a mesma fonte, ninguém tomou a iniciativa de apresentar para o Jurídico da estatal uma minuta de contrato para avaliação, no qual o preço estaria estabelecido.
Mas dá para se ter uma ideia de quanto um contrato desse porte, que possa envolver o compartilhamento de dados e a manutenção atualizada do mesmo, poderia render para os cofres da Dataprev. Seria algo em torno do valor que o Serpro vem cobrando da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital pela “manutenção evolutiva e corretiva da Plataforma de Autenticação Digital do Cidadão“, segundo avaliam técnicos da Dataprev. Um contrato recente foi publicado pelo Serpro com o Ministério da Economia, no qual ele receberá R$ 156,6 milhões pelo serviço:
SECRETARIA EXECUTIVA
SECRETARIA DE GESTÃO CORPORATIVA
DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO E LOGÍSTICA
COORDENAÇÃO-GERAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
EXTRATO DE DISPENSA DE LICITAÇÃO Nº 17/2022 – UASG 170607
Nº Processo: 19974101478202118 . Objeto: Manutenção evolutiva e corretiva da
Plataforma de Autenticação Digital do Cidadão. A plataforma consiste em um serviço de
autenticação do cidadão para acesso aos serviços públicos digitais. Total de Itens Licitados:
Fundamento Legal: Art. 24º, Inciso VIII da Lei nº 8.666 de 21º/06/1993..
Justificativa: Viabilizar a integração de canais digitais prevista no Decreto 9.756/2019
(Plataforma gov.br). Declaração de Dispensa em 15/12/2022. FERNANDO ANDRE COELHO
MITKIEWICZ. Secretário de Governo Digital. Ratificação em 15/12/2022. LEONARDO JOSE
MATTOS SULTANI. Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
Valor Global: R$ 156.625.857,88. CNPJ CONTRATADA : 33.683.111/0001-07 SERVICO
FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO).
INSS ignora alerta da CGU e faz licitação com item 65 vezes mais caro que estimativas de 2021
Relatório divulgado pela Controladoria-Geral da União indica que o INSS ignorou suspeitas de sobrepreço apontadas por auditores da CGU, neste ano, em uma licitação para contratar vigilância em três superintendências regionais.
Como resultado, o instituto prevê agora pagar valores até 65 vezes maiores que os estimados em 2021 – quando os editais foram suspensos, justamente, por indícios de sobrepreço.
As propostas vencedoras somam R$ 153 milhões – quase o dobro dos R$ 77,86 milhões previstos originalmente – o que não significa que todo o valor será desembolsado. Enquanto esses contratos estiverem vigentes, o INSS pode demandar os produtos e serviços de vigilância na quantidade que julgar necessário.
O INSS nega irregularidades e diz que está adotando as providências recomendadas pela CGU. No relatório, a CGU deixa claro que a auditoria é "preventiva" – ou seja, voltada a mitigar riscos antes de uma contratação e não a homologar ou suspender o contrato.
As licitações de 2021
De acordo com o relatório da controladoria, a primeira tentativa do INSS de contratar vigilância ostensiva e eletrônica para as superintendências do INSS de Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ocorreu em 2021.
Dois pregões foram lançados em abril de 2021, mas os atos foram revogados pelo próprio INSS no mês seguinte após denúncias de irregularidades. A ideia, naquele momento, era gastar R$ 67,3 milhões com vigilância ostensiva e R$ 10,56 milhões com segurança eletrônica.
No relatório mais recente, os auditores da CGU afirmam que não há registro de que as denúncias desses primeiros pregões tenham sido adequadamente analisadas.
"Os documentos apresentados e que embasaram a revogação dos pregões, relacionados à denúncia em relação à qual houve ‘análise preliminar e incipiente’ pelo INSS, não apresentaram manifestação conclusiva acerca de sua procedência para justificar o ato de revogação dos editais", diz o relatório.
A licitação mais recente
Passado mais de um ano, o INSS voltou ao tema. Em 20 de junho deste ano, o instituto publicou um novo pregão unificado para contratar vigilância ostensiva e eletrônica para as três superintendências.
Desta vez, no entanto, os valores previstos mais que dobraram. As estimativas passaram para R$ 78,76 milhões (vigilância ostensiva, alta de 17%) e R$ 90,67 milhões (eletrônica, alta de 758,4%).
Segundo o relatório da CGU, o INSS optou desta vez por uma contratação com cobertura de riscos, uma espécie de seguro privado. "Entretanto, inexiste qualquer demonstração, analítica e fundamentada, de que a contratação com cobertura de risco é a medida mais econômica para a Administração", dizem os auditores.
Além dessa garantia extra, o INSS passou a descrever os itens a serem adquiridos de maneira mais específica, o que também gerou mudanças drásticas nos valores orçados.
Para o detector de metais portátil, a diferença foi de 6.400%: a unidade passou de R$ 6,01 para R$ 390,62. Já no sensor de presença com fio, o preço previsto foi de R$ 9,61 para R$ 364,33 – alta de 3.691%.
Licitação com problemas foi referência
Os auditores da CGU também apontaram, na auditoria preventiva, que o INSS estava usando como base uma outra licitação com problemas, realizada em 2019 pela superintendência regional Sudeste I.
De acordo com outro relatório da CGU, também concluído em 2022, esse pregão tomado como referência registrou "sobrepreço na contratação de serviços de vigilância eletrônica no montante estimado de R$ 17.442.274,70 (66,2% do valor contratado)".
“Além de assumir o risco de utilizar parâmetros para os quais já havia apontamento de possível sobrepreço, pela CGU, pela AUDGER e por Grupo de Trabalho constituído no âmbito do INSS, a Autarquia inseriu em Edital especificações em relação aos itens a serem contratados que aumentaram os preços estimados, mesmo com o apontamento efetuado pela Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto ao INSS”, concluem os auditores.
INSS manteve contratação
O INSS recebeu uma versão preliminar da auditoria preventiva antes de abrir as propostas – mas, mesmo assim, informou que realizaria a disputa nos termos previstos. A CGU, então, concluiu o documento definitivo com um alerta.
“Cabe à autarquia [INSS] certificar-se da economicidade da contratação, considerando, inclusive, que já estava ciente dos riscos aos quais o modelo de contratação estava exposto e, ainda assim, assumiu o risco de realizar a contratação utilizando parâmetros já avaliados por auditoria pretérita da CGU e que, ainda assim, estão em patamares muito superiores àqueles praticados em contratações anteriores do INSS e de valores referenciais de contratação do mesmo tipo de serviço”, diz o documento.
A licitação foi concluída e, ao fim do processo, o valor máximo a ser contratado ficou em R$ 138,8 milhões – abaixo dos R$ 169,43 milhões previstos no início do pregão.
Apesar de ter recebido o relatório preliminar e defendido os parâmetros adotados na resposta à CGU, o INSS disse em nota à TV Globo que está adotando "as providências necessárias através do devido processo legal, com vistas à elucidação das questões apontadas pelo órgão de controle”.
O INSS negou irregularidades e ressaltou que a forma como se deu a licitação não exige a contratação dos serviços.
"Todas as contratações e licitações do INSS são balizadas nas legislações vigentes e passam por análise de consultoria jurídica, na Procuradoria Federal Especializada, previamente à realização das licitações", diz o órgão.
Com informações do site G1/Economia.
Mais de 2,3 mil militares ocupam postos no governo de forma irregular, aponta auditoria da CGU
Uma auditoria interna do governo, realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), sobre a atuação de militares em cargos públicos aponta fortes indícios de irregularidades em pagamentos e ocupações de nada menos que 2.327 militares e seus pensionistas. A investigação apontou uma série de problemas, como acúmulo de funções simultâneas por militares da ativa e recebimento dobrado de salários e benefícios que extrapolam o teto constitucional.
O Estadão teve acesso exclusivo ao relatório da auditoria realizada pela CGU, que atua como um órgão de controle interno do governo federal, responsável por fiscalizar o patrimônio público e combater crimes de corrupção e fraudes. O objetivo foi verificar em detalhes a situação dos militares que passaram a trabalhar para o governo federal, um contingente que triplicou na gestão Bolsonaro e que, conforme levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), ultrapassa 6 mil pessoas.
Auditoria interna do governo, realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), aponta fortes indícios de irregularidades em pagamentos e ocupações de 2.327 militares e pensionistas de militares
O relatório, concluído no mês passado, se baseou em informações oficiais do Ministério da Economia e do Ministério da Defesa. Como linha de corte, os auditores se concentraram em dados de dezembro de 2020. A partir daí, cruzaram informações do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) e do Sistema de Informações de Empresas Estatais (Siest). Esses sistemas armazenam as informações de pagamentos a agentes públicos do governo federal e estão sob gestão do Ministério da Economia. Paralelamente, cada informação foi confrontada com os dados que a CGU recebeu do Ministério da Defesa, a respeito de pagamentos realizados a militares e seus pensionistas.
Foram encontrados 558 casos de ocupação simultânea de cargos militares e civis sem nenhum tipo de amparo legal ou normativo para isso. Deste total, 522 militares estão ocupando postos na administração pública direta e outros 36, em estatais federais. "Como consequência do presente achado, tem-se a possível vinculação ilícita de militares a cargos, empregos ou funções civis. Essa situação pode ensejar danos ao erário e à imagem da administração pública federal", afirma o relatório de auditoria.
Uma segunda irregularidade encontrada: centenas de casos extrapolam o prazo máximo de atuação paralela dos militares, se consideradas aquelas situações de exceção em que esse trabalho simultâneo é permitido. O levantamento aponta que 930 militares chegam a se enquadrar em casos legais de acúmulo de cargos, mas desrespeitam o limite legal de até dois anos neste tipo de função simultânea, ou seja, eles seguem recebendo salário da administração pública, em desrespeito às leis.
"Tem-se como possível causa residual a eventual má-fé de militares ao permanecerem como requisitados para atividades civis federais por tempo prolongado, nos casos em que estejam cientes da irregularidade", conclui o relatório. "O comando constitucional é claro em limitar o vínculo civil de militares ao período máximo de dois anos, devendo o militar ser transferido para a reserva caso a situação do vínculo temporário persista."
A terceira irregularidade diz respeito a salários pagos. Foram identificados 729 militares e pensionistas de militares com vínculo de agente público federal que receberam acima do teto constitucional, sem sofrerem nenhum tipo de abatimento em seus vencimentos. Em dezembro de 2020, o salário teto no Brasil, baseado no que é recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), era de R$ 39.293,32. Como o período analisado pela CGU focou um retrato da situação de dezembro de 2020, o próprio órgão afirma que, se todos os casos levassem à devolução do dinheiro público pago a mais, só naquele mês teriam de ser devolvidos R$ 5,139 milhões aos cofres públicos.
A regra do teto constitucional, afirma a CGU, "deve ser observada para todos os agentes públicos, civis ou militares", mas enfrenta mais desafios quanto ao controle no caso de militares e seus pensionistas, porque, nestes casos, "os benefícios são pagos por órgãos distintos, sendo o único controle existente a autodeclaração do beneficiário".
Filtragem de resultados
As informações apuradas pela auditoria não partiram de um simples cruzamento de banco de dados de diferentes ministérios do governo federal. Para chegar ao resultado que aponta indícios graves de irregularidades, os auditores fizeram, conforme consta no documento, um "amplo estudo normativo, em busca de todos os regramentos relacionados ao tema", para excluir cenários em que o vínculo simultâneo entre o serviço militar e público tenha amparo legal.
Nesta filtragem, foram excluídos, por exemplo, os casos de militares da reserva ou reformados que estejam ocupando cargo público. O resultado também deixa de fora os militares ligados a atividades da área de saúde e que passaram a ocupar um cargo público no mesmo setor da gestão pública. As exceções incluem ainda militares da ativa que estejam no serviço público para necessidades temporárias e dentro do prazo de até dois anos, além dos militares inativos que são contratados para atividades de natureza civil em caráter voluntário. "Vencida essa etapa, foram realizados os cruzamentos de dados com o objetivo de identificar as ocorrências de militares com vínculos civis que apresentavam indícios de irregularidades, ou seja, já eliminados os casos de exceção", afirma a auditoria.
Além das irregularidades encontradas, a CGU revela a fragilidade da gestão de recursos humanos do governo, que "ocorre de maneira segregada". Isso ocorre porque o vínculo militar é gerido pelo Ministério da Defesa, que não se submete ao controle da CGU, enquanto os cargos públicos são de responsabilidade da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, do Ministério da Economia. É esta secretaria que cuida do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), alvo central da auditoria.
"Observa-se contexto de dificuldade intrínseca para implementação de controles, seja pela atuação em conjunto de duas unidades gestoras, seja pelo desafio de comunicação eficaz e tempestiva entre tais unidades, seja pelo uso de sistemas estruturantes distintos", afirma a auditoria. "Caso existisse tal integração, poderia ser facilmente implementado um controle sistêmico e automático para impedir tais casos, ou mesmo notificar os gestores a respeito."
Exército e ministérios afirmam que apuram casos apontados
Os ministérios da Economia e da Defesa, além das Forças Armadas, não mencionaram quantos casos com indícios graves de irregularidades já foram efetivamente confirmados e que medidas foram tomadas contra essas fraudes. Questionado pela reportagem, o Exército declarou que "participou do esforço conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), mas que a "identificação de coincidências de vínculos civil e militar" merece "uma análise pormenorizada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências".
Sem citar números ou detalhes, o Exército afirmou que, após nova análise, "verificou-se que a maior parte das inconsistências corresponderia, em princípio, a acumulações potencialmente lícitas, amparadas pela legislação". Mas, como mostra a reportagem, diversas exceções que permitem o trabalho paralelo de militares com o serviço público já foram consideradas na auditoria.
"Cada coincidência/inconsistência de dados está sendo avaliada individualmente. As providências corretivas serão adotadas, após ser dada a oportunidade de os envolvidos apresentarem justificativas às inconformidades porventura confirmadas, seguindo rigorosamente o preconizado na legislação", afirmou o Exército.
Segundo a Força, suas unidades já foram avisadas "para fins de regularização" e esse trabalho está em andamento. "Encontra-se em curso, agora, uma análise detalhada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências. Seguindo os trâmites legais, será ressarcido oportunamente qualquer valor que porventura tenha sido repassado de forma indevida, sem prejuízo de outras sanções previstas no ordenamento jurídico brasileiro."
O Ministério da Defesa declarou à reportagem que, dentro da administração central da pasta, identificou dois casos de irregularidades. Um envolvia ocupação simultânea irregular e outro o recebimento de salário acima do limite constitucional. O servidor, que não teve a sua identificação mencionada, "foi notificado a promover o ressarcimento dos valores, o que já vem ocorrendo".
"O Ministério da Defesa atua permanentemente em contato com órgãos de controle interno e externo com o objetivo de cumprir rigorosamente a legislação", afirmou.
A Aeronáutica e a Marinha foram questionadas sobre o assunto, mas não responderam aos pedidos de esclarecimento.
O Ministério da Economia declarou, por meio de nota, que as informações da auditoria "já foram encaminhadas diretamente aos órgãos envolvidos para manifestação e providências que eventualmente se fizerem necessárias".
Perguntado se as irregularidades já foram sanadas e se houve punição ou ressarcimento financeiro de pagamentos, o ministério afirmou que "tais apontamentos não são necessariamente irregularidades" e que, "no momento, existe apenas a relação de indícios, que serão analisados pelos órgãos envolvidos".
A respeito das fragilidades de fiscalização e falta de integração entre as bases do Ministério da Economia e o Ministério da Defesa, a pasta chefiada por Paulo Guedes declarou que está em andamento um "projeto destinado à promoção de uma integração sistêmica".
Brasileiros foram lesados por três anos com cobrança indevida na conta de luz
Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), feita em setembro deste ano concluiu que entre 2017 e 2020, os brasileiros desembolsaram um total de R$ 5,2 bilhões de reais pagando conta de luz mais caras do que deveriam ser. O relatório da CGU, divulgado pelo Estadão, aponta erros cometidos pelos governos do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (ex-PSL) na projeção de geração de energia no país.
Essa projeção foi maior do que o que se poderia produzir. O restante, para atender à demanda do país, foi comprado pelo governo, incluindo energia de outras fontes, mais caras, como as termelétricas e isso gerou contas mais altas.
Para o bolso dos consumidores, de acordo com a auditoria, o planejamento ‘equivocado’ na produção de energia do governo causou um prejuízo de R$ 2,2 bilhões entre 2017 e 2019. Outros R$ 2,3 bilhões tiveram origem em uma programação de geração pela usina de Belo Monte que não aconteceu.
Investidores lucram nas costas do povo
O engenheiro da Eletronorte, Ikaro Chaves, também dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), explica que as usinas trabalham com uma projeção de produção de energia elétrica calculada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Essa pesquisa determina a capacidade de produção das usinas e é atualizada a cada cinco anos. A última atualização foi em 2017.
Com base em estudos, a EPE emite a ‘garantia física das usinas’ que determina o quanto elas deverão produzir. Se produzirem menos, o governo é obrigado a contratar – a toque de caixa – outras fontes de energia, como as termelétricas, que são mais caras.
“Então é um erro de planejamento. Se existe garantia física superestimada, a energia contratada será menos do que o necessário e, portanto, vai faltar. A energia elétrica que for contratada para suprir a demanda do país terá preço mais alto e quem paga é o consumidor”, diz Ikaro Chaves.
E esse problema de planejamento, prossegue o dirigente, se estende ao longo dos anos, já que a escassez hídrica vem desde 2013 e se intensificou nos últimos anos.
“Deveria haver um planejamento para enfrentar as crises hídricas, mas isso não é interessante para os investidores do setor que acabam lucrando com isso”, afirma o engenheiro.
Desta forma, a EPE faz a revisão da capacidade de produção sem uma redução, de acordo com os fatores naturais, como diminuição do índice pluviométrico e até mesmo da capacidade operacional indicada pelos equipamentos.
Tem jeito, mas...
“Seria necessário um grande programa de obras de produção e usinas hidrelétricas com capacidade de armazenar água para produzir energia em tempos emergenciais como o que estamos vivendo agora”, afirma Ikaro
O engenheiro lembra que o Brasil tem grande potencial para produção de energia eólica e solar e as usinas atuais não dão conta de suprir a demanda estimada. Exemplo é a Usina de Belo Monte que não tem a capacidade de armazenar água e em tempos de escassez não consegue dar conta da produção projetada.
Ainda sobre Belo Monte, houve atraso nas obras da usina e somente pela usina o total do prejuízo aos consumidores foi de R$ 2,3 bi. “A usina de teve de deixar escoar a água sem produzir energia”, diz Ikaro.
Ainda de acordo com ele, há tecnologia avançada para a construção de usinas mais modernas – tecnologia que já é utilizada em outros países, “mas o Brasil prefere gerir as crises”.
Tem gente ganhando com isso
Para Ikaro Chaves, a crise energética que atravessamos hoje foi uma ‘crise construída’.
“Não há concorrência nesse setor. É um monopólio natural. Não dá para qualquer um sair produzindo e vendendo energia por aí. E essa crise tem vários indícios de que foi provocada pelos governos. Quando há escassez, há aumento de preços”.
E quem ganha com isso são os investidores do setor que é comandado por multinacionais, fundos de investimentos e pelo setor financeiro. Bancos como Itaú e BTG Pactual, por exemplo, são alguns dos investidores.
“Essa turma comanda o setor, com exceção de poucos distribuidores e da Eletrobras. Quando ouvimos que houve falhas, elas foram induzidas. Se houver abundância de energia, o preço cai e esses investidores têm menos lucros”, afirma o engenheiro.
Custo pelo serviço não entregue.
A reportagem do Estadão aponta ainda que, além dos R$ 5,2 bilhões, cobrados pela incompetência planejada do governo federal, outros R$ 693 milhões saíram dos bolsos dos consumidores para bancar o atraso na entrega de linhas de transmissão. Usinas da Amazônia liberaram água sem produzir energia.
A CGU afirmou em nota esperar que a política baseada em bom desempenho hidrológico, ou seja, com base no que choveu nos anos anteriores, não seja adotada para evitar que o custo da energia que faltar seja cobrada de consumidores.
“Grande parte desses custos está sendo transferida para o mercado cativo (consumidor de energia vendida pelas distribuidoras), que estão suportando, sem a devida transparência, custos que deveriam ser compartilhados com todos os atores do setor elétrico”, diz a CGU.