Créditos: Reprodução
Gestores de investimentos admitem cenário com menos ganhos fáceis com juros. Mas seguem apostando em aperto e teto de gastos e elegem Previdência Pública principal vilã de contas públicas.

Recuperação da indústria naval, do petróleo e do gás, uma das bases do emprego industrial e do crescimento no final da década passada? Não. Retomada de investimentos públicos em infraestrutura, outro fator impulsionador de desenvolvimento e postos de trabalho? Também não.

Planos para aquecimento do crédito e do mercado interno, com criação de vagas formais, ampliação da renda e estímulo ao mercado interno, de modo a reativar a indústria doméstica e o setor exportador? Tampouco.

As apostas dos operadores do mercado concentram-se em “reformas” que deem sustentação à lei do teto de gastos – leia-se redução de gastos sociais e da capacidade de investimentos do setor público. E para eles a reforma das reformas é da Previdência Social.

A partir da eleição de Jair Bolsonaro, investidores habituados aos ganhos em volume taxas reais de juros ainda campeãs do mundo até admitem ter de se acostumar com uma nova realidade. A expectativa de gestores de investimentos é de que o mercado deixe de premiar os que apostam em ganhos fáceis e sem risco. “Teremos de nos acostumar a investir como o investidor lá fora”, disse Marcello Popoff, da assessoria Lifetime Investimentos, promotora do Panorama Conjuntural 2019, na noite desta segunda-feira (26), em São Paulo.

“O momento é de mudanças. Estamos saindo de uma zona de conforto”, acrescenta Giuliano De Marchi, “head” para a América Latina do JP Morgan, banco de investimento norte-americano. Para ele, “o investidor brasileiro ficou mimado” com as facilidades de ganho possibilitado pelos juros estratosféricos.

Apesar da mudança, o relativo otimismo entre os gestores é condicionado a um fator: a reforma da Previdência. Sem ela, não há motivos para “otimismo”. A avaliação é de que “a reforma é a diferença entre o Brasil quebrar ou não”, nas palavras de Marcelo Cavalheiro, gestor da Safari Capital – por “quebrar” entenda-se a capacidade de fechar as contas com prioridade ao corte de gastos, e não ao aumento da arrecadação com economia aquecida.

Segundo os participantes do debate, a Previdência Pública não é entendida como uma necessidade social e humana, mas um empecilho que afugenta o investidor estrangeiro. Se a expectativa é de juros baixos para os próximos períodos, por outro lado o custo financeiro é menor e, portanto, o lucro será maior.

Na opinião de Cavalheiro, há três cenários à frente. “Sem reformas, vamos virar uma Grécia, com uma dívida impagável e insolvência fiscal.” Outro cenário é que se mantenha a reforma previdenciária apresentada por Temer, que, para ele, ainda não é a ideal. Com ela, não haverá um cenário tão catastrófico, mas a situação vai “piorar aos poucos”.

Cavalheiro acredita que a manutenção do teto dos gastos, instituído pelo governo Michel Temer com a Emenda Constitucional 95, o país voltará a crescer, o que provocará vantagens para investimentos de risco. “Tudo gira em torno da reforma da Previdência.”

Para João Braga, gestor de renda variável e sócio do Grupo XP, no novo cenário de relativo otimismo o investidor deve se acostumar com taxas de juros “mais normais”. “Porque, de fato, o Brasil foi o paraíso dos rentistas. Correndo pouco risco, você tinha uma taxa de retorno muito mais alta do que em qualquer lugar do mundo.”

Num suposto ambiente de reforma, essas taxas de juro de equilíbrio caem muito, avalia Braga. “Vai ficar mais difícil para os rentistas ganharem como ganhavam antes, sem fazer esforço.” Também para ele, o otimismo depende da reforma da Previdência. “Se acreditarmos que vai ter reforma, que a gente vai entrar num ambiente de juro real de equilíbrio mais baixo, certamente isso sustenta o otimismo. Haverá a Bolsa subindo e busca por ativos de risco.”

Segundo os gestores presentes ao Panorama Conjuntural 2019, além das expectativas de crescimento da Bolsa como opção de investimento, com uma taxa de juro reduzida e inflação relativamente baixa, a opção passará a ser, paulatinamente, menos pela renda fixa e mais por ações. Além disso, espera-se também que o mercado imobiliário passe a se tornar mais atraente aos investidores, assim como o setor de infraestrutura, caso haja concessões de rodovias, por exemplo.

Porém, há motivos para preocupação, segundo os operadores de mercado, além da relativa a uma eventual não aprovação da reforma da Previdência. A praticamente certa subida dos juros nos Estados Unidos é o principal desses motivos. “O Brasil tem que estar com a casa em ordem”, disse Cavalheiro.

Resta saber como colocar a casa em ordem sem proporcionar mecanismos de arrecadação, com mais emprego e desenvolvimento sustentável, ingredientes que não costumam fazer parte do bolo dos que vivem da ciranda financeira em torno da qual têm girado as economias do mundo.

 

Fonte:Eduardo Maretti/RBA