“Não tem arrego!” As palavras repetidas exaustivamente nas últimas semanas pelos servidores municipais de São Paulo foram levadas com firmeza pela categoria até ontem (27), mais precisamente às 18h21, quando o presidente da Câmara dos Vereadores, Milton Leite (DEM), anunciou a vitória dos trabalhadores: o Projeto de Lei (PL 621/16), de autoria do prefeito João Doria (PSDB) e que impunha perdas salariais e alterava as regras para a aposentadoria do funcionalismo, fora suspenso da pauta por 120 dias. Uma clara derrota do prefeito e que levou os servidores a voltarem ao trabalho hoje, decretando o fim da greve até que novas negociações se encaminhem.
“Doria estava desesperado para aprovar o PL 621/16. Tentou colocar a população contra os servidores e utilizou, inclusive, dinheiro público para fazer a campanha contra os trabalhadores”, afirmou em nota o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), referindo-se à campanha publicitária na mídia tradicional para convencer a população da necessidade das alterações propostas.
De fato, o prefeito tinha pressa, já que abandona a cidade no dia 6 de abril, dia em que renuncia ao cargo, menos de um ano e meio depois de assumir, para concorrer ao governo do estado. Ainda na manhã de ontem, Doria havia convocado uma coletiva de imprensa de última hora para anunciar medidas e manobras que resolvera adora para aprovar a matéria.
O prefeito obteve derrotas sequenciais frente às manifestações em defesa de seus direitos pelos servidores. Em greve desde o dia 8 de março, diversas categorias do funcionalismo firmaram posição contra o PL em atos sucessivos nas ruas em frente às representações de poder, Legislativo e Executivo. O movimento obteve números expressivos: 94% das escolas municipais e creches paradas, 100% da assistência social, mais de 90% dos CÉUs, entre outras.
A última – e definitiva – derrota para Doria foi a suspensão da tramitação do PL pelos vereadores, inclusive muitos da base governista. Para as entidades representativas dos servidores, o prefeito tentou apressar a matéria para acenar ao mercado financeiro de que ele teria capital político para aprovar uma reforma na previdência, algo que o Presidente da República, Michel Temer (MDB), não conseguira em âmbito federal.
“Não me venham fazer nem ameaças nem emparedamento de qualquer espécie. Não fui eleito para ceder a ameaças, seja de quem for”, disse o prefeito na coletiva, visivelmente alterado, para em seguida apelar, como de costume, para seus discursos de antipetista, que o ajudaram a vencer as eleições municipais. “Os mesmos partidos que são contra a reforma da previdência são os que sustentaram o governo Lula (…) Não. Esse emparedamento, comigo, não vai funcionar.”
Entretanto, quem travou de fato a matéria na Câmara foram vereadores da própria base do prefeito. “Publicamente, reconheço os esforços feitos pelo governo junto dos vereadores da base porém, não foi suficiente”, disse Milton Leite ao anunciar a suspensão da matéria.
Um destes vereadores que compunham o governo é Camilo Cristófaro (PSB). No pequeno expediente que precedeu o início da sessão extraordinária que levou à suspensão da matéria, ele disse: “O prefeito mente porque não tem condições de governar. Ele está indo embora (…) Tudo que ele prometeu na cidade, nada cumpriu. Me perguntam se eu mudei de lado, mas quem mudou foi ele”, disse.
Mesmo o ex-secretário do Verde e do Meio Ambiente durante o início da gestão Doria, Gilberto Natalini (PV), se posicionou contrário de forma veemente. “Sou médico concursado da Prefeitura desde 1988, sou funcionário público dessa cidade com muita honra (…) Não admito que se ofenda o funcionalismo público municipal, me sinto ofendido também (…) Minha posição é clara a respeito do projeto, não é de hoje. Minha decisão, desde que tomei conhecimento do projeto, é contra. Não é uma modificação de última hora que vai me tornar favorável.”
A modificação de última hora por Doria a que Natalini se refere foi um substitutivo retirando pontos polêmicos do projeto e que prometia até mesmo aumentos salariais, caso a matéria fosse aprovada – 8% de reajuste para os professores e um aumento expressivo de 24% no piso de todo o funcionalismo, além de retirar a possibilidade de securitização da previdência, bem como extinguiu a suplementação do Sampaprev, que impactaria em um aumento de 5% na alíquota cobrada dos servidores, mas manteve o acréscimo de 11% para 14%.
Acontece que promessas feitas pelo prefeito são questionáveis, como disse o vereador Alfredinho (PT). “O prefeito, quando foi candidato, deveria ter dito que ia tirar o leite das crianças, que ia cortar o transporte escolar. Ele se dizia gestor, empresário, achou São Paulo pequena demais e tentou ser presidente. Não deixaram. Não satisfeito, disse que não gosta de ser prefeito, que não quer. Agora vai sair para governador.”
O Sindsep resume a atuação de Doria e incorpora a vitória dos trabalhadores em seu discurso. “Derrota do prefeito que vai embora sem nunca ter estado de fato no cargo”.
“Em ano de eleição, os vereadores ficaram pressionados com a impopularidade da medida, em especial aqueles que irão pleitear uma vaga como deputado estadual ou federal. O próprio Doria deveria ter calculado isso, mas com a ideia fixa de atacar os servidores públicos e se referendar como candidato do sistema financeiro não teve a sensibilidade para recuar de um projeto que descontava até 19% do salário dos trabalhadores”, completa.
Outra entidade muito presente em todo o movimento, o Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), também emitiu nota, assinada pelo presidente da entidade, vereador Claudio Fonseca (PPS), apontando para a derrota da obstinação de Doria em seu braço de ferro contra os servidores. “Doria queria, antes de deixar a prefeitura, mas não conseguiu aprovar o confisco que, para ele, seria um troféu (…) As 100 mil vozes que ecoaram nas ruas da cidade, desde o início da greve, fizeram o governo retirar da pauta o PL”.
Além de comemorar a vitória, o Simpeem informa que o presidente do sindicato dialogou com o secretário de Educação, Alexandre Schneider, que garantiu o pagamento dos dias de greve, e que a reposição das aulas será debatidas nas unidades escolares junto da população.
Fonte:Gabriel Valery/RBA