Créditos: Arquivo Agência Brasil

Programas dos 14 candidatos que disputam a eleição para prefeito da capital paulista excluem temas cruciais em saúde pública, dizem pesquisadores da USP e UFRJ.

Nenhum dos 14 candidatos que disputam as eleições para prefeito de São Paulo contempla em seus programas de governo questões cruciais em saúde, como o enfrentamento da pandemia de covid-19, que não deverá chegar ao fim tão cedo. É esperada uma segunda onda quando ainda nem foi superada a primeira. Tampouco mencionam, como deveriam, o combate às desigualdades de acesso aos serviços e a falta de médicos e de medicamentos. A conclusão é de Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mário Scheffer, professor da Universidade de São Paulo (USP). Eles são autores de um estudo sobre o tema saúde nos programas de governo dos candidatos a prefeito nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Pandemia

A pandemia de covid-19, que matou mais de 13 mil na cidade de São Paulo, até meados de outubro, evidenciou a necessidade de um sistema organizado, da vigilância epidemiológica à terapia intensiva, imprescindíveis também nos sistemas locais. Mas nem assim a questão pareceu comover os candidatos a apresentar propostas de ação pública em saúde na cidade que desejam administrar.

Desigualdade

Conforme os autores, a desigualdade no acesso aos serviços de saúde é mencionada apenas no programa de dois candidatos da esquerda. E mesmo assim de maneira genérica, sem detalhar políticas ou metas para sua superação. O candidato Guilherme Boulos (PSol) fala em “superar os vazios de ofertas assistenciais e as desigualdades de acesso nas periferias”. E Jilmar Tatto (PT) considera o “SUS como um dos instrumentos centrais do combate à desigualdade social”.

É essa desigualdade que determina, por exemplo, a diferença na expectativa de vida de habitantes da capital em função de onde residem. Na Cidade Tiradentes, no extremo leste, já na divisa com Mauá e Ferraz de Vasconcelos, a média de idade ao morrer é 23 anos a menos que a registrada em Moema, bairro nobre localizado ao lado do Parque do Ibirapuera.

Na ausência de projetos de ataque às desigualdades nestas eleições, o candidato à reeleição Bruno Covas (PSDB) propõe uma “espécie de apartheid hospitalar” para pobres, idosos, moradores de rua e quem precisa de cuidados prolongados. “Representaria um retorno ao Brasil escravocrata colonial”, assinalam os autores.

Falta de médicos

Pela análise dos programas, os candidatos não trazem alternativas para suprir postos de trabalho desocupados nas unidades básicas de saúde, hospitais e demais serviços. Especialmente os médicos, o que atrasa diagnósticos e tratamentos, colocando até a vida em risco. Quando muito, os programas mencionam “formação”, “educação permanente”, “capacitação”. E alguns mencionam, de maneira genérica, “concursos”, “contratações”, “valorização”, “carreira” e até “construção de faculdade de Medicina municipal”.

Sem medicamentos

Apenas um dos programas analisados insinua a perspectiva de uma política voltada a um dos grandes problemas nas redes municipais: a falta de medicamentos nas farmácias dos postos de saúde. A assistência farmacêutica é contemplada pelo candidato Boulos, que fala em “garantir distribuição ininterrupta de medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde”. Andrea Matarazzo (PSD) fala apenas em “estabelecer a gestão efetiva dos medicamentos desde o estoque, logística e entrega, para evitar desperdícios”.

Esquecem do SUS

De acordo com os autores, a maioria dos partidos e coligações à direita e ao centro que disputam as eleições promete mais serviços à população, mas não fazem referência ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Alguns de esquerda até mencionam o sistema, mas em meio a imensos textos, nunca suficientes para expressar todas e sinceras simpatias por movimentos sociais e sindicais”, destacam.

Após 32 anos da sua aprovação na Constituição de 1988, o SUS ainda não é visto em sua real dimensão pelos partidos políticos. Tampouco todas as suas interações com outros órgãos públicos e privados. É como se um mesmo cidadão não fosse necessitar de cuidados em todos os níveis de atenção ao longo de uma vida. Além disso, os candidatos entendem a gestão municipal como prestadora de serviços e não como a autoridade sanitária do sistema de saúde, como prevê a legislação.

Aborto

Apesar do aumento das candidaturas femininas nas eleições, a temática que envolve as reflexões e as práticas relacionadas ao direito ao aborto está praticamente ausente nas plataformas eleitorais. Um tabu que permanece. O termo “aborto” aparece apenas em quatro programas. O de Jilmar Tatto se limita a declarar que será propiciado atendimento ao aborto legal na rede municipal, tal como prevê a mais que retrógrada portaria ministerial do governo Bolsonaro sobre o tema. Ainda assim, não há proposições objetivas sobre como será facilitado o acesso a serviços que atendem casos de aborto, mesmo as situações previstas em lei (gravidez decorrente de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto), que tem sido dificultado nos municípios por preconceito, falta de serviços e profissionais, pressões de religiosos, descumprimento da legislação e inadequações das normas técnicas estabelecidas.

O consenso sobre a extensão de coberturas provavelmente resultará em mais estabelecimentos de saúde e mais equipes. No entanto, a indefinição sobre as atribuições e competências da atenção básica, e seu relacionamento com o restante da rede de serviços, não assegura necessariamente a melhoria da abrangência e qualidade dos cuidados.

Inclusão

Em resumo, os candidatos demonstram desconhecer que as secretarias municipais de saúde têm a responsabilidade de implementar ou articular políticas que incidam sobre circunstâncias responsáveis pelo adoecimento e que promovam melhorias das condições de vida. Ou seja, de inclusão social e de redução da pobreza por meio de ações de prevenção do tabagismo e do consumo abusivo de álcool e drogas, do controle da propaganda e comercialização de alimentos ultraprocessados, da diminuição de acidentes de trânsito, violências e homicídios. Para Ligia Bahia e Mário Scheffer, há despolitização nessa ausência de propostas para alterar as engrenagens da apropriação e da distribuição dos recursos para a oferta de cuidados à saúde.

 

Fonte: Cida de Oliveira/RBA