Trabalho escravo explode após a Reforma Trabalhista
A Bancada Feminista do PSOL entrou com ações contra o governo e a prefeitura de São Paulo, na ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo), para questionar os contratos de fornecimento de alimentos com empresas suspeitas de utilizar trabalhadores em condições análogas à escravidão, conforme apuração do Brasil de Fato.
As ações foram protocoladas na Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, o processo contra o governo no dia 16 de março e contra a prefeitura no dia 02 de março. Na ação consta que o governo firmou contrato no valor de R$ 17 mil na compra de açúcar da marca Caravelas que é produzido pela Colombo Agroindústria S/A. Já a prefeitura teria destinado mais de R$1 milhão e meio na compra de sucos da Cooperativa Garibaldi, que também foi flagrada com a utilização de trabalhadores que eram mantidos em condições análogas à escravidão.
Ambas as empresas envolvidas nos contratos com o governo e prefeitura de São Paulo são suspeitas do crime de mão de obra escrava. A fazenda que fornece cana para a produção do açúcar fica na cidade de Pirangi (SP) e a empresa de sucos fica em Bento Gonçalves (RS).
De acordo com a reportagem do Brasil de Fato, a deputada responsável por impetrar as ações, Paula Nunes, afirma que “a lei estadual nº 14.946, de 2013, aborda o trabalho escravo e trata da possibilidade de que empresas condenadas pelo uso de trabalho análogo à escravidão tenham inscrição como contribuinte de ICMS cassada”, informou o site de notícias.
A deputada também afirma que um órgão público manter contrato com uma empresa que está sendo investigada por trabalho análogo à escravidão na sua cadeia produtiva “é uma ofensa aos trabalhadores, aos direitos humanos e a qualquer paulistano", diz a deputada Paula Nunes ao Brasil de Fato.
Vale a pena lembrar que as empresas de suco de uva investigadas não permeiam apenas na Cooperativa Garibaldi, as vinícolas Salton e Aurora também foram denunciadas. O mais alarmante é que os casos não pararam nas empresas citadas acima. Este grave problema que em pleno século XXI deveria estar totalmente exterminado no Brasil, principalmente porque o país já passou por esse cenário e levou séculos para tentar resolver o problema e tirar da sua memória as cenas marcantes de um povo escravizado.
Na verdade, o que de fato, voltou a circular na mídia são situações que envolvem trabalhadores que não recebem os seus salários, muito menos os seus direitos, como deveriam receber, ainda são expostos a um endividamento sem fim por terem que comprar alimentos nos locais impostos por seus contratantes, ficar alojados em locais insalubres, sem a mínima condição de higiene e ameaçados para não deixarem o “trabalho” sem antes pagar por essa dívida que sabemos, assim como no passado, nunca tem fim.
Depois da Reforma Trabalhista país registrou um aumento significativo de casos de mão de obra escrava
Para burlar a lei, empresas utilizam terceirizados que aliciam os trabalhadores que na verdade são intermediadores de trabalhos análogos à escravidão. As empresas usam o argumento de que fez tudo que manda a legislação trabalhista que após a Reforma permite esse tipo de contrato de trabalho, isso sem falar das MEIs (microempreendedores individuais) que também entram nesta jogada e ao invés de serem empreendedores, os trabalhadores acabam trabalhando sem registro profissional e de forma insalubre. É o que explica Maurício Krepsky Fagundes, auditor fiscal e chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em entrevista ao portal da CUT.
“A empresa tomadora tenta burlar, se afastar da responsabilidade com os trabalhadores contratando qualquer empresa sem idoneidade para fazer atividades de seus interesses e isso ocorre tanto no âmbito rural como no urbano”, afirma Maurício Krepsky.
Os auditores não param de trabalhar e os números de novos casos de trabalho análogo à escravidão só sobem. Outro grupo de trabalhadores foi resgatado na última sexta-feira (17) nos municípios de Araporã, em Minas Gerais, Itumbiara, Edeia e Cachoeira Dourada, em Goiás, e prestavam serviço para usina de álcool e produtores de cana de açúcar.
A situação das autuações é sempre a mesma, empresas terceirizadas intermediava a contratação da mão de obra dos trabalhadores que eram obrigados a pagar pelos aluguéis dos barracos dos alojamentos, pagavam pelas ferramentas que utilizavam no trabalho, sem ajuda com a alimentação, sem banheiro próximos dos locais de trabalho e EPIs (equipamentos de proteção individual).
“A maioria desses abrigos era extremamente precária e não possuía as mínimas condições para serem usadas como moradias. Alguns deles eram muito velhos, com as paredes sujas e mofadas, goteiras nos telhados e não dispunham de ventilação adequada, sendo que em alguns dos quartos sequer possuíam janelas. O banho era tomado com água fria, que saia diretamente do cano, mesmo nos dias mais frios e chuvosos”, detalhou em entrevista à Agência Brasil o auditor fiscal do trabalho Roberto Mendes, que coordenou a operação em parceria com o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e a Polícia Federal em Jataí (GO).
O auditor fiscal também informou que “alguns trabalhadores pagavam pelo colchão. Aqueles que não tinham condições dormiam em redes ou mesmo no chão forrado com um pedaço de pano, ou papelão. Também não havia local adequado para guardar e preparar alimentos e, em muitos barracos, sequer havia cadeira para se sentar. Em regra, o almoço consistia somente em arroz e uma pequena porção de carne, como fígado, frango ou salsicha. Muitos trabalhadores comiam a metade da marmita no café da manhã, já que não tinham outra coisa para comer”, ressaltou Roberto Mendes à Agência Brasil.
O caso está correndo no Ministério do Trabalho e Empego que já negociou o pagamento das verbas rescisórias, três parcelas do seguro-desemprego e está negociando o pagamento por dano moral individual.
Além disso, a Polícia Federal que também acompanhou a equipe instaurou inquérito para apuração “de prática do crime de submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo contra os responsáveis pelo ilícito”.
A explosão do trabalho análogo à escravidão ficou mais evidente e mais fácil de burlar os tramites legais com a promulgação da Reforma Trabalhista que tornou legal a terceirização dos serviços, os trabalhos intermitentes e outros mais prejuízos aos trabalhadores, além do enfraquecimento das relações de trabalho.
São cinco anos de reforma que dizem respeito as jornadas de trabalho, qualificação profissional, empregos informais, dentre outros pontos.
As novas relações de trabalho abriram espaço para o debate sobre o home office, que ganhou repercussão com o isolamento social gerado pela pandemia da COVID-19, a flexibilização das relações entre empregador e empregado, além da precarização de algumas categorias.
Com a Reforma Trabalhista, a diminuição da proteção das categorias deixou o papel dos sindicatos com maior relevância por ajudar na fiscalização e denunciar tudo o que vai de encontro com as perdas do trabalhador.
O trabalho desempenhado pelo servidor público também é importante, pois com a estabilidade garantida, o servidor pode desempenhar a sua função na sua totalidade, sem correr o risco de ter um desvio de conduta, de sofrer pressão por desempenhar o seu serviço e sofrer consequências por isso, e tudo o mais que o funcionalismo público garante ao servidor.
O que dizem os envolvidos
Sobre o caso da ação movida pela Bancada Feminista do PSOL na ALESP, o Brasil de Fato publicou que o governo do estado de São Paulo informou que ainda não recebeu notificação oficial sobre os processos, mas que "repudia toda e qualquer prática de trabalho análogo à escravidão". A prefeitura de SP disse que o contrato foi firmado antes das denúncias e que depois dos fatos não realizou nova compra com a empresa denunciada. A Colombo Agroindústria S/A informou que não possui contrato com o governo e que repudia mão de obra escrava.
Como denunciar um trabalho análogo à escravidão
Se você conhece algum trabalho que remeta ao análogo à escravidão, ou qualquer trabalho que descaracterize a forma e a dignidade humana, existe um canal oficial que recebe e encaminha na forma legal esses tipos de denúncia.
Para acessar o sistema exclusivo do governo federal e efetuar a sua denúncia clique aqui. A sua contribuição será importante para acabar com qualquer trabalho que remeta a escravidão, não podemos deixar que esse tipo de violência e trabalho arcaico volte a imperar em nosso país.
Fonte: Brasil de Fato, com edição de Thales Schmidt, Agência Brasil com reportagem de Karine Melo e CUT, com reportagem de Rosely Rocha e edição de Marize Muniz. Com informações da redação SINSSP.
Operação combate trabalho análogo à escravidão na colheita da uva no RS
Uma operação conjunta de combate ao trabalho análogo à escravidão foi deflagrada na noite de quarta-feira (22) em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizam uma ação de fiscalização que resultou no resgate de 180 trabalhadores baianos aliciados para o trabalho na colheita da safra da uva, em situação análoga à escravidão.
De acordo com gerente regional do MTE em Caxias do Sul, Vanius Corte, as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram uma empresa de serviços de apoio administrativo que oferecia a mão de obra. Em nota, as empresas afirmaram que desconheciam as irregularidades e sempre atuaram dentro da lei.
Segundo reportagem do jornal Pioneiro, policiais e funcionários do MTE saíram de Caxias do Sul por volta das 19h15 e chegaram a Bento Gonçalves pouco depois das 20h. Eles foram até uma pousada, na Rua Fortunato João Rizzardo, no bairro Borgo, onde os trabalhadores estavam hospedados.
Segundo o gerente regional do MTE, a prefeitura da cidade está organizando um espaço para alojar de forma provisória os trabalhadores que foram resgatados. Eles devem ser encaminhados na tarde desta quinta-feira (23) ao Ginásio Municipal Darcy Pozza.
O responsável por essa empresa, Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, natural de Valente (BA), chegou a ser preso, mas vai responder pelo crime em liberdade porque pagou fiança no valor de R$ 40 mil. Segundo o delegado da Polícia Federal, Claudino de Oliveira, o preso era o responsável pelas contratações dos resgatados que trabalhavam na colheita da uva para vinícolas.
Péssimas condições de trabalho, moradia e alimentação
O caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre. Eles relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa que presta serviços a uma vinícola.
Eles contaram que trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Isso representa uma absurda jornada de 15 horas de trabalho. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada.
Os trabalhadores relataram que só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário. Desta forma, eles acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração.
Ainda disseram que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os patrões ameaçariam os familiares, que vivem no estado nordestino.
A reportagem do Pioneiro entrou na pousada, onde os trabalhadores estavam desde o dia 2 de fevereiro, e constatou que o local possui quatro andares de alojamento, com quantidade de camas que varia conforme o tamanho do quarto.
Alguns possuíam um beliche, outros três e quatro acomodações. Era possível observar colchões e chão sujos, além de forte mau cheiro. Segundo relato dos trabalhadores, os lençóis também não eram trocados.
Problema se repete anualmente na colheita da uva
De acordo com o MTE, já foram feitas operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento Gonçalves. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene.
No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro. As origens deles são, principalmente, baianos, argentinos e indígenas, alguns, inclusive, com menos de 18 anos de idade.
Segundo o gerente regional do MTE, Vanius Corte, o enfoque das ações fiscais, num primeiro momento, é a formalização dos contratos de trabalho e verificação das condições dos alojamentos.
“Em relação a outras culturas, a uva está muito atrasada nas questões das formalizações dos vínculos empregatícios”, disse o representante do MTE.
A ideia do MTE é realizar uma audiência pública para buscar uma adequação do setor aos direitos dos trabalhadores. Nesta reunião serão chamados os representantes dos produtores, os sindicatos, as vinícolas e as secretarias municipais de Agricultura. Não há data marcada. Na próxima safra haverá também um incremento nas fiscalizações.
Com informações do jornal Pioneiro