Câmara aprova novo marco fiscal que põe fim ao teto de gastos

O projeto de lei do novo marco fiscal, também conhecido como arcabouço fiscal, foi aprovado na noite desta terça-feira (22), pela Câmara dos Deputados. A pauta já havia sido aprovada pela Casa, porém sofreu alterações durante sua votação no Senado e por isso precisou retomar para ser mais uma vez analisada pelos deputados.

A votação referente as alterações feitas no Senado obtiveram 379 votos a favor e 64 votos contra, os deputados também votaram outras alterações que, dentre outras temáticas, retiravam a ciência e a tecnologia do limite das despesas, porém o placar de 423 votos a favor e 19 votos contra rejeitou essas mudanças.

O arcabouço fiscal, que vai substituir o Teto de Gastos (leia-se PEC-95), seguirá para sanção do Presidente Lula. O novo regime fiscal prevê um conjunto de regras para controlar o excesso de gastos da conta pública com punição caso elas sejam descumpridas. Para o atual governo, ela representa um compromisso entre a União e as responsabilidades fiscal e social.

O projeto aprovado possui a nova versão do parecer do relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que implementou ao texto a exclusão do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), conteúdo aprovado pelos senadores.

O novo marco fiscal foi costurado em maio pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o objetivo de substituir o atual teto de gastos. Pela nova legislação as despesas anuais passarão a ser ajustadas pela inflação do ano anterior, considerando um aumento real de no mínimo 0,6% e no máximo 2,5%, em linhas gerais ele garante que os gastos não cresçam acima da receita, além de resgatar um sistema de metas que utiliza os resultados primários, um item da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada em 2000.

O arcabouço fiscal é muito restritivo, mas ainda assim é muito melhor que a EC-95 (ou PEC-95), emenda que está em vigor, pois as limitações eram ainda maiores e válidas até 2036, estrangulando ainda mais o governo, os investimentos e sobretudo o orçamento voltado para a população.

A Emenda Constitucional 95/16, também conhecida como Teto dos Gastos, que congelaria os gastos públicos por duas décadas, além de não ter contribuído para combater a crise econômica do país, teve efeitos particularmente negativos em relação aos direitos sociais. Com ela, as políticas sociais e a proteção social ficaram engessada, congelada e quem sofreu com isso foi uma grande parcela da população mais vulnerável.

O Teto de Gastos caminhou na contramão do que garante a Constituição Federal, de 1988, que estabelece a proteção e reconhecimento dos direitos dos brasileiros tais como educação, saúde, segurança, previdência e assistência social, dentre outros. O discurso dos idealizadores dessa emenda está centrado no Estado mínimo, dando espaço para a terceirização e privatização em nome da economia diante da crise econômica.

Preconizado pelo então teto de gastos, mesmo que o Brasil retomasse o aumento da arrecadação, o governo ficaria impedido de ampliar os recursos para as políticas públicas, porém ele estimulou “a concessão de benefícios tributários a setores econômicos e empresas: um retorno muito menos transparente de ser avaliado pela sociedade.  Essa norma também desconsiderava o poder que o setor público tem para impulsionar a retomada da economia”, pontuou o Ministério da Fazenda.

Entendendo o caminho das PECs que tratam do regime fiscal brasileiro pós golpe de 2016

Aqui vamos tratar do regime fiscal do período pós-golpe, que tirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff, pois foi a partir desse momento que o Brasil teve os seus gastos congelados e os investimentos nas políticas públicas quase que zerados, prejudicando milhares de brasileiros.

Foi Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda na época do Temer, que encaminhou a PEC do Teto de Gastos, aprovada em dezembro de 2016 pelo Congresso.

Em 2020, na era Bolsonaro, houve um furo do teto de gastos por meio de outra PEC, chamada de Orçamento de Guerra, momento em que o País e o mundo enfrentavam a pandemia da Covid-19, onde a má gestão do governo deixou milhares de mortos e pessoas passando fome.

Em 2021 uma nova PEC foi aprovada, a PEC dos Precatórios, que abriu um rombo bilionário no orçamento brasileiro. Bolsonaro não parou por aí e em 2022 criou ou projeto, a PEC Kamikaze, poucos meses antes do período eleitoral. E por fim, a última PEC criada na gestão de Bolsonaro foi a PEC da Transição.

Com tantas mudanças, tantos furos, o teto de gastos ficou engessado e caiu em descredito no mercado financeiro e entre os brasileiros. Esse foi um dos motivos para que a gestão do governo Lula pensasse num novo regime fiscal que atendesse o controle dos gastos da União e permitisse o investimento nas políticas públicas.

Foram dessas premissas que nasceu o novo marco fiscal, mais flexível, com diferentes ciclos econômicos e políticos. O arcabouço fiscal vai substituir o Teto de Gastos e segundo o Ministérios da Fazenda ele será “mais moderno e adequado para o cumprimento das metas fiscais e compromissos sociais do Estado brasileiro.”

Em última análise, o "arcabouço fiscal" não será um "céu de brigadeiro", mas ainda assim, será muito melhor do que o estrangulamento que foi promovido por Temer e Bolsonaro, onde pouco se importavam com o povo, o que esses governos queriam era apenas que sobrasse dinheiro público para atender a banqueiros e para pagar a dívida pública.

Que novos ventos soprem sobre o planalto central e varram todo o lixo político e ideológico deixados pelos dois últimos ex-presidentes.

 


Até quando vamos suportar o processo de asfixia financeira do SUS?

O objetivo deste artigo é caracterizar o processo de asfixia financeira do Sistema Único de Saúde (SUS) como sendo resultado do desfinanciamento promovido pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, bem como da manutenção desse processo até mesmo durante a pandemia da Covid-19. Tratei desse tema na 19ª Carta de Conjuntura da USCS, disponível na íntegra em www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.

De 2018 até o início da pandemia da Covid-19, o SUS federal perdeu R$ 22,5 bilhões como consequência da EC 95/2016, conhecida como ‘Teto de Gastos’ (com impactos negativos para o financiamento da saúde pelos governos estaduais e municipais, pois cerca de dois terços do orçamento do Ministério da Saúde são transferências fundo a fundo).

Esse desfinanciamento federal do SUS expressa uma das situações que caracteriza o processo de asfixia financeira do SUS: retirar recursos federais, cujo total já era insuficiente para o atendimento das necessidades de saúde da população – afinal, os gastos públicos em saúde nas três esferas de governo totalizaram R$ 3,79 per capita por dia e representavam 4,0% do PIB em 2019 (quase a metade dos 7,9% do Reino Unido, conforme dados da Organização Mundial de Saúde).

A necessidade de recursos adicionais foi manifestada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que coordenou a mobilização da sociedade em prol dos 10% das Receitas Correntes Brutas (movimento conhecido como “Saúde+10”, com mais de 2,2 milhões de assinaturas protocoladas no Congresso Nacional com o Projeto de Lei PLP 321 em 2013). Se fosse aprovado, esses recursos adicionais (cerca de R$ 40 bilhões) seriam utilizados, conforme deliberação do Conselho Nacional de Saúde, para fortalecer as ações da atenção básica em saúde, de modo que se transformasse na ordenadora da rede de cuidados de saúde, e para valorização dos profissionais do SUS.

Conforme Funcia (2019), esses recursos adicionais poderiam ter sido utilizados para, de forma conjunta, quadruplicar o então Piso da Atenção Básica (PAB Fixo), a Farmácia Básica-PAB, ampliar em 50% o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e do Programa de Saúde da Família (PACS/PSF) e quadruplicar o valor das despesas empenhadas com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) pelo Ministério da Saúde. Além dessas ações, seria possível também ampliar o “Programa Mais Médicos”.

E quais seriam as fontes de financiamento? Funcia (2019) indicou duas medidas combinadas para esse fim: a auditoria cidadã da dívida pública e a revisão da renúncia da receita, especialmente aquela vinculada à Função Saúde. Além disso, segundo Alves et al. (2020), se houver gestão eficiente da dívida ativa da União, é possível arrecadar bem mais que os R$ 24 bilhões de 2019, considerando que o estoque era de R$ 2,4 trilhões (e desse total, R$ 800 bilhões classificados em condições positivas de recebimento).

Mas, o desfinanciamento do SUS desde 2018 reduziu recursos para o “Programa Mais Médicos” (hoje chamado “Médicos pelo Brasil”) e para a atenção básica, com destaque para o novo modelo de financiamento da atenção primária da saúde criado no final de 2019, com impactos negativos para a manutenção e ampliação das equipes de saúde da família, dentre outros.

Em termos concretos, houve queda do piso federal per capita do SUS  no período 2017-2019 (e até 2021), bem como na aplicação federal per capita – de R$ 595,00 em 2017 para R$ 583,00 em 2019 (valores calculados a preços de 2019).

Aparentemente, a pandemia da Covid-19 representava a oportunidade concreta do governo federal financiar adequadamente o SUS, considerando a flexibilização do teto de despesas primárias e de outras regras fiscais em consequência da decretação do estado de calamidade pública em 2020.

Mas, não foi o que se viu na alocação de recursos adicionais para o Ministério da Saúde (MS), bem como na respectiva execução orçamentária e financeira – conforme várias edições do Boletim Cofin do Conselho Nacional de Saúde, de um lado, houve tanto lentidão no uso dos recursos orçamentários destinados para o enfrentamento da Covid-19 (o que ocorreu principalmente nos meses de julho e agosto de 2020, depois que o número de casos e de mortes tinha crescido bastante), como atraso na alocação de recursos para vacina (foram acrescidos no orçamento R$ 20 bilhões somente na segunda quinzena de dezembro de 2020).

Essa situação, que também caracteriza o processo de asfixia financeira do SUS, foi agravada pela decisão do MS em encaminhar a peça orçamentária de 2021 sem um centavo programado para o enfrentamento da Covid-19, o que está sendo viabilizado por meio de abertura de créditos extraordinários, procedimento que pode ser adotado somente para despesas emergenciais e imprevistas (como foi em 2020, diferente da situação de 2021).

Houve queda das transferências do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos de Saúde dos Estados e Municípios, inclusive para o financiamento das ações de enfrentamento da Covid-19 – respectivamente, queda de 17% e 63% no primeiro quadrimestre de 2021 em comparação ao 3º quadrimestre de 2020, mesmo diante do crescimento do número de casos e mortes verificados no período.

Por fim, na programação orçamentária para 2022, somente R$ 7,1 bilhões foram destinados para o enfrentamento da Covid-19, insuficiente em comparação aos valores empenhados em 2020 e 2021 (até o momento).

Portanto, diante da crise sanitária e das preocupações dos especialistas sobre a lentidão no processo de vacinação em massa, diante da necessidade de aplicação da terceira dose e da possibilidade concreta da vacinação anual por alguns anos, a questão orçamentária do MS continua sendo tratada nos termos da austeridade fiscal: mesmo com a flexibilização das regras em 2020 e com a forma encontrada para “burlar” o teto de despesas primárias em 2021, não há recursos federais disponibilizados para planejar a gestão orçamentária e financeira do SUS federal juntamente com os estados e municípios.

Pelo contrário: essa situação é a expressão do Plano Nacional de Saúde 2020-2023, que não apresenta nenhum objetivo e meta para o combate à pandemia. Continua atual a proposta de Moretti et al. (2020): “No contexto do aumento da pobreza e da desigualdade na sociedade brasileira, o governo federal precisa revogar imediatamente o teto de gastos e a regra estabelecida para o piso federal da saúde (Emenda Constitucional 95/2016) para enfrentar a recessão e o coronavírus”.

Enquanto isso não acontece, o quadro de asfixia financeira do SUS continua e se agrava. Até quando?

Referências

ALVES, Rubens; ALVES, Helder; VIGNOLI, Francisco H.; FUNCIA, Francisco R. Avaliação da Dívida Ativa da União e dos Municípios do Grande ABC. Carta Conjuscs nº 14, outubro/2020.

FUNCIA, Francisco R. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recurso. Ciência e Saúde Coletiva 24 (12), Dez 2019. Disponível em https://www.scielo.br/j/csc/a/n77WSKwsWhzyBHGXtgLfFMj/?lang=pt

MORETTI, Bruno; OCKÉ, Carlos; ARAGÃO, Érika; FUNCIA, Francisco; BENEVIDES, Rodrigo. Mudar a política econômica e fortalecer o SUS para evitar o caos. 30/03/2020. Disponível em https://www.abrasco.org.br/site/noticias/mudar-a-politica-economica-e-fortalecer-o-sus-para-evitar-o-caos/46220/

Francisco R. Funcia é Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP, Doutorando em Administração no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), Pesquisador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Conjuscs), Professor dos Cursos de Economia e Medicina da USCS, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) e Consultor Técnico da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS). Secretário de Finanças de Diadema desde 1º de janeiro de 2021.

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