Uso de dispositivos para tratamento de apneia do sono precisa de avaliação médica e odontológica
O Momento Odontologia, produção Rádio USP Ribeirão, responde às dúvidas do ouvinte Henrique Tutini, da cidade de Catanduva, interior do Estado de São Paulo, sobre os prós e os contras do Dispositivo de Avanço Mandibular. Para responder às dúvidas do ouvinte, o convidado é o professor Sérgio Henrique Kiemli Trindade, da disciplina de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da USP em Bauru.
Antes de falar sobre o Dispositivo de Avanço Mandibular, o professor explica o que é a apneia obstrutiva do sono, condição clínica na qual há um fechamento da faringe enquanto a pessoa dorme, ou seja, fechamento da garganta, quer seja por alterações anatômicas ou por conta de uma queda acentuada do tônus da musculatura da faringe durante o sono. Uma das modalidades de tratamento da apneia do sono são esses aparelhos intraorais para o avanço mandibular e também o CPAP, uma máscara que provê um fluxo de ar positivo para abrir a faringe.
O dispositivo é utilizado em pacientes com apneia obstrutiva do sono e consiste em uma placa de acrílico acoplada na maxila e na mandíbula, que projeta anteriormente a mandíbula e com esse avanço é ativada toda a musculatura do assoalho da boca. Assim há o tracionamento anterior do osso hioide e da base da língua e abre-se um espaço respiratório posterior aumentando as dimensões da faringe e estabilizando a musculatura que dilata a faringe levando o paciente a respirar melhor.
O CPAP, traduzido da sigla em inglês para Pressão Contínua Positiva na Via Aérea Superior, também é usado para quem tem apneia do sono. É um compressor de ar, em forma de máscara, que pega o ar do meio ambiente e o pressuriza, assim provê um fluxo de compressão positiva na faringe do paciente. “Quando o indivíduo está dormindo e a garganta se fecha, por conta da hipotonia da musculatura ou por questões anatômicas, existe um fluxo de ar positivo, ou seja, se borrifa um ar com pressão positiva e a faringe se abre, o que leva o indivíduo a respirar de forma adequada.” Segundo Trindade, é utilizado com frequência nas síndromes de apneia obstrutiva do sono nas suas formas mais graves e acentuadas.
Sobre a diferença entre os dois aparelhos, diz o professor, questões técnicas precisam ser analisadas. O aparelho intraoral é confeccionado por um cirurgião-dentista habilitado em Odontologia do Sono e a avaliação deve ser feita em conjunto entre esse profissional e o médico que atua na área de medicina do sono. “Tem que haver considerações adequadas do ponto de vista odontológico para que o paciente possa ser submetido a um tratamento com o dispositivo intraoral e ele tem a vantagem de ser discreto, fica totalmente dentro da boca.” O intraoral é um dispositivo bastante eficaz quando é feita a avaliação por um médico e pelo cirurgião-dentista e é utilizado em diversos graus de intensidade da apneia, desde o ronco primário, o caso mais leve, até a apneia obstrutiva mais grave, quando o paciente não tolera o uso do CPAP.
Já o CPAP tem como vantagem o fato de muitas empresas e clínicas fornecerem o aparelho ao paciente para um teste prévio. Entretanto, o professor lembra que esse aparelho também exige avaliação do médico com atuação em medicina do sono para se excluir outras patologias antes de prescrevê-lo. O CPAP pode ser utilizado desde os casos mais brandos aos casos mais intensos de apneia obstrutiva do sono. “Tradicionalmente utilizamos o CPAP nas apneias do sono nas suas formas mais graves ou moderadas, mas também pode ser utilizado na forma leve quando outras modalidades de tratamento não são possíveis.”
Fonte:
Momento Odontologia
Produção e Apresentação Rosemeire Talamone
CoProdução: Alexandra Mussolino de Queiroz (FORP), Letícia Acquaviva (FO), Paula Marques e Tiago Rodella (FOB)
Edição: Rádio USP Ribeirão
Lei de Cotas completa 10 anos e mostra-se efetiva na promoção de diversidade e inclusão
A Lei de Cotas foi sancionada em 2012 e prevê a reserva de 50% das vagas de universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas. Nessa reserva, estão incluídas regras para destinar vagas a alunos de baixa renda, além de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. De acordo com José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, a Lei de Cotas existe em função de diversos elementos, mas possui dois fatores principais: “O primeiro foi a constatação através de pesquisas de que o vestibular não é um sistema justo de seleção. Fatores associados à escolaridade dos pais — que no Brasil está associada ao nível de renda — têm influência nas condições do estudante.”
Além disso, ele menciona que o Brasil é um país que possui uma relação muito baixa entre o número de matrículas na educação superior e a população na faixa correspondente — geralmente de 18 a 24 anos. Conforme dados de um estudo da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, a taxa bruta de matrícula é de cerca de 34%. Para Rezende, o vestibular se revela como um filtro socioeconômico e racial e as cotas são uma medida para tornar essa disputa mais justa.
O professor Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e atual presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), descreve o início das cotas: “A lei foi adotada em 2012, mas já havia políticas de cotas sendo conduzidas em vários Estados, sendo que a primeira política consistente de cotas a existir no Brasil foi instituída na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), há cerca de 20 anos.”
Janine Ribeiro diz que a implementação das cotas étnico-raciais causou muita polêmica, porque muitas pessoas diziam que, no Brasil, era muito difícil saber quem era branco e quem era negro. Para ele, a discussão não fazia sentido: “Eu lembro de ter lido um artigo do jornalista Elio Gaspari, em que ele dizia que, na hora de saber quem vai pelo elevador social e pelo elevador do serviço, qualquer um sabe quem é negro. Na hora de dar uma única vantagem, a primeira em séculos, a populações historicamente muito discriminadas, surgem essas questões”.
No artigo 7º da Lei, está prevista a revisão do programa após dez anos de funcionamento, mas até o momento não existem tantos posicionamentos sobre o assunto. O professor comenta que a lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff determinava que, dez anos após sua implementação, o Poder Executivo promoveria uma reavaliação da política de cotas. Essa lei foi modificada no governo Temer, que retirou o sujeito da frase. Então, apenas está dito que será feita uma reavaliação depois de dez anos e não se diz quem fará. “A revisão não é obrigatória e o período de revisão é flexível, ao passo que pode ser adiado por meses ou anos. No momento não há uma data definida para que a discussão seja iniciada”, destaca Janine Ribeiro.
Muitas pessoas têm o receio de que a Lei de Cotas decline ao completar dez anos. Mas o professor revela que, em conversa com o ex-ministro da Justiça e professor da Faculdade de Direito da USP, José Eduardo Cardozo, foi informado que, se a lei não prevê expiração ou tempo de variedade, ela vale até ser explicitamente revogada por outra: “A lei não prevê nada disso, ela diz apenas que será feita uma reavaliação da política, não que a lei precisará ser renovada. Ela continua e nenhum dos possíveis beneficiários das políticas de cotas tem por que recear que ela chegue ao fim”.
Importância das cotas
Caio César Pereira, estudante de Jornalismo da Universidade de São Paulo, descreve a sua relação com as cotas: “Passei muito tempo sem discordar ou concordar com as cotas, mas tentei ao máximo não utilizá-las. Porém, a partir do momento que passei a me debruçar um pouco mais sobre o assunto, eu entendi a importância delas e de como elas poderiam ser benéficas para mim”.
Ele menciona o fato de ter ingressado na universidade pública sem fazer cursinho, estudando sozinho em casa, quando a maioria das pessoas, principalmente na USP, fez cursos preparatórios para o vestibular para ingressar na universidade. “Para qualquer pessoa que, assim como eu, é oriunda de escola pública, nós invariavelmente acabamos saindo atrás no que tange à educação do que grande parte dessas pessoas. A forma que eu encontrei de tentar balancear um pouco mais as coisas foi utilizando cotas”, indica.
O sistema de cotas pressupõe a reserva de uma parcela das vagas de determinado curso. Desse modo, os cotistas disputam vagas com outros cotistas, ou seja, não concorrem às vagas destinadas à ampla concorrência. O professor Rezende comenta que, em algumas situações, a competição entre os cotistas é até maior: “Há um certo mito de que pelo sistema de cotas não há competição. Na verdade, existe uma competição tão ampla quanto, porque há mais população negra, mais população de escola pública no Brasil. Quando eu olho as matrículas do ensino médio no Brasil, 80% são da escola pública. Muitas vezes a concorrência é maior, o que a cota faz é tornar a competição um pouco mais justa, é isso que ela busca fazer”.
Caio Pereira relaciona a sociedade brasileira a uma corrida para reiterar a função das cotas: “Se nós fizermos uma analogia da sociedade brasileira com uma corrida, as pessoas que são essencialmente brancas já saíram correndo muito antes do que a gente. Então, as cotas representam uma forma da gente conseguir chegar na linha de chegada ou tornar a partida pelo menos mais igual.”
O estudante não vê o sistema de cotas como uma medida final, mas sim como parte de um processo de democratização. Para ele, as cotas são uma medida paliativa e não uma medida definitiva. “É uma forma paliativa da gente conseguir começar a combater o problema, para que no futuro nós tenhamos outras alternativas para combater essa desigualdade racial e econômica que nós temos aqui no País”, ressalta.
Rezende aponta que as cotas são uma saída emergencial: “Emergencial não se resolve em dez anos, posso dizer que o Brasil teve cota explícita para brancos na educação por 400 anos, que foi o período da escravidão, e nós tivemos mais uns 100 anos de cotas implícitas, porque, em geral, os pobres, os negros, quando tiveram acesso à educação, sempre foi uma educação de baixa qualidade. As cotas são um remédio emergencial, mas um emergencial que precisa de tempo.”
Caio Pereira é um exemplo da importância e necessidade das cotas no Brasil. Ele relata: “As cotas são muito importantes para pessoas assim como eu, que vêm de escola pública, que são negras, que vêm de uma realidade social diferente da maioria que está aqui na universidade pública. Elas são importantes para mostrar que nós só não devemos estar aqui, como nós merecemos estar aqui”.
Embora a lei seja direcionada às instituições federais de ensino, o sistema de cotas ecoou na educação de todo o País. A Universidade de São Paulo, que é estadual, passou a instituir as políticas afirmativas de ingresso em 2016 e, mesmo que a adesão seja recente, é possível notar diversas diferenças no ambiente da Universidade. De acordo com Aluisio Segurado, professor da Faculdade de Medicina e pró-reitor de Graduação da USP, a Universidade de São Paulo debateu bastante sobre a propriedade de aderir às cotas. Ele comenta: “A diversidade é enriquecedora para o ambiente universitário, faz parte da nossa responsabilidade social como universidade pública de grande prestígio nacional e internacional fazer parte desse grande movimento de inclusão, garantindo o acesso a determinadas parcelas que estavam sub-representadas no alunado da USP”.
Apesar de as ações afirmativas de ingresso serem mais recentes na USP em comparação com outras instituições de ensino superior, os efeitos já são notáveis. “Ao longo dos anos em que temos participado dessa política, nós já temos algumas conclusões bastante importantes da certeza dessa decisão, que realmente foi importante para a Universidade de São Paulo aderir a esse movimento e que isso trouxe benefícios na ampliação dessa característica de diversidade nos nossos alunos, representando os vários segmentos da sociedade paulista e brasileira”, aponta o pró-reitor.
A proporção de vagas reservadas na USP contempla duas categorias: a categoria de egressos do ensino público, que contempla candidatos que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas, e um segundo conjunto de vagas reservadas para egressos do ensino médio exclusivamente público, porém que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas.
Nos últimos anos, o conjunto dos alunos de graduação se mostrou mais diverso, especialmente após a adesão às cotas. O professor Segurado menciona: “Entre os alunos de graduação que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas, nós partimos de um patamar existente em 2016 de 14,6%. Esse porcentual vem tendo um acréscimo progressivo ano a ano, sendo que, no ano de 2022, nós passamos desses 14,6% para um porcentual de 22,7%”.
Se forem considerados somente os alunos que ingressaram após 2016, a presença de estudantes advindos do ensino público é considerável. O pró-reitor comenta que o salto foi de 17,9% em 2016 — que foi o primeiro ano de ação afirmativa — para 26,2% no vestibular de 2022, incluindo as duas modalidades de ingresso, o Sisu e a Fuvest. Já em relação ao porcentual de alunos oriundos do ensino médio integralmente público, “nós saímos de 2016 de um porcentual de 33,5% de egressos de ensino público para 51,7% em 2022. Então, desde o ano passado, nós já temos na USP uma maioria de ingressantes que são egressos do ensino médio exclusivamente público, o que de fato é um indicador de inclusão bastante importante”, ressalta o pró-reitor.
Já a ampliação da diversidade étnico-racial é ainda mais significativa nos números. No último quantitativo, que é de alunos oriundos do ensino médio exclusivamente público, que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas, o salto foi maior. Foi de 11% em 2016 para 21,6% em 2022. O pró-reitor salienta: “Isso é visível nas nossas escolas, nas nossas faculdades e institutos quando nós frequentamos as unidades de ensino e pesquisa, quando formos às bibliotecas, às salas de aula, aos laboratórios, aos refeitórios”.
Criada em maio de 2022, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento foi idealizada pela atual gestão da Reitoria da Universidade de São Paulo e aparece em um momento importante para a USP, que tem direcionado o seu foco para políticas que permitam mais diversidade em seu ambiente. Um dos objetivos da Pró-Reitoria é centralizar as iniciativas que estimulem a pluralidade na USP. Estão incluídas pautas como o ingresso na Universidade, as políticas de permanência para os estudantes e o acompanhamento de toda a comunidade universitária.
Ana Lúcia Lanna, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, comenta sobre a perspectiva de aprimorar a inclusão na Universidade: “Não é apenas uma Pró-Reitoria de ações afirmativas, como a gente tem exemplos muito interessantes em várias universidades, ela é uma Pró-Reitoria de políticas de inclusão e pertencimento para alunos, professores e servidores técnico-administrativos. Ela pensa no conjunto da Universidade e reconhece que incluir, ou seja, criar condições para que essa diversidade integre a Universidade, é fundamental”.
As cotas são importantes, mas somente elas não são suficientes. “Não é suficiente eu colocar aqui dentro 50% de alunos de escola pública com os porcentuais equivalentes à população de pretos, pardos e indígenas, se eu não der efetiva condição de permanência. Isso significa fazer políticas para o conjunto da Universidade”, indica a professora Ana Lúcia ao reconhecer que mais políticas são necessárias.
Neste ano, serão implementadas duas mudanças no sistema de ingresso à USP. A primeira é a comissão de heteroidentificação, que procura responder às fraudes que eventualmente possam ocorrer nas cotas. A comissão atuará antes da matrícula ser consolidada. A pró-reitora comenta que a USP reconheceu que a forma como isso vinha acontecendo, que era por meio de denúncias, era muito penosa para as pessoas, para os movimentos, para os coletivos e para a instituição.
Outra mudança é a modificação na convocatória de alunos aprovados. Antes, a chamada para as vagas era realizada de forma distinta para a ampla concorrência e os cotistas, isso fazia com que as vagas fossem definidas previamente. Agora, se um aluno egresso de escola pública ou que se autodeclara preto, parto ou indígena tem um desempenho que permite seu ingresso pela ampla concorrência, ele passa a concorrer nessa categoria e libera uma das vagas reservadas aos cotistas. A professora Ana Lúcia menciona: “Quando você fazia as listas de ingresso separadas, você de fato tinha alunos que entravam no perfil das cotas, seja socioeconômica, seja étnico-racial, que teriam entrado em ampla concorrência. Então, foi isso que foi alterado, a gente está muito contente, a gente acha que vai ser um vestibular inovador”.
As políticas de permanência também são fundamentais para a construção de um ambiente diverso, e uma das ações da USP é oferecer recursos para que os estudantes se mantenham na Universidade. “Nós queremos que elas sejam cada vez melhores, cada vez mais eficientes, cada vez mais adequadamente direcionadas aos alunos, ou seja, que a gente faça as escolhas corretas. Os alunos efetivamente precisam desse apoio para poder manter o cotidiano deles na vida universitária, ou seja, que eles possam comer, que eles possam morar, que eles possam ir ao cinema, que eles possam comprar um livro, que eles possam se locomover”, destaca a pró-reitora acerca da importância dos auxílios de permanência.
A professora Ana Lúcia discorre sobre o objetivo de fazer com que os alunos se sintam pertencentes ao ambiente universitário: “No sentido de que os seus lugares de diferenças, os seus lugares originalmente precários ou uma característica fenotípica que cause mais dor e exclusão do que outra, ou uma situação de reparações históricas não realizadas ou não plenamente realizadas, elas tem potência e a Universidade tem que dialogar com elas”. Outra preocupação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento é a diversidade do corpo docente dos servidores da Universidade de São Paulo. A pró-reitora fala que a Universidade ainda é excessivamente branca do ponto de vista dos docentes. Então, esse é também um dos assuntos discutidos e pensados pela Pró-Reitoria em busca de uma universidade mais diversa.
Fonte: Jornal da USP
Fim da autorização para fazer laqueadura ou vasectomia endossa mudança nos costumes
Na última semana, o Senado Federal aprovou o fim da necessidade de autorização do cônjuge para a realização de laqueadura ou vasectomia. Em sua coluna, o professor Renato Janine Ribeiro aponta que essa decisão reflete mudanças culturais e de costumes. Antes, esperava-se que o casamento gerasse filhos e qualquer ação no sentido de impedir isso era malvista. Muitas pessoas não sabem, diz o colunista, mas até a década de 1960 ou 1970 não apenas havia poucos anticoncepcionais, como, em muitos países, era proibida a venda ou o acesso a eles. E o normal das relações sexuais era gerar filhos.
O professor lembra que a mudança desses costumes ocorreu devido ao progresso tecnológico, que levou ao desenvolvimento de métodos contraceptivos mais eficientes, como a pílula anticoncepcional, além de novos comportamentos, como a inserção de mulheres no mercado de trabalho e o fato de muitos casais optarem por ter poucos filhos ou mesmo não tê-los. E se a meta dos casamentos deixou de ser ter filhos, não faz sentido a autorização do cônjuge para procedimentos como laqueadura ou vasectomia. Nos tempos atuais, faz mais sentido ter autorização tanto da esposa como do marido para ter filhos, diz ele.
Janine aponta também que a meta das pessoas deixou de ser casar-se, como era há algumas décadas: esperava-se que a mulher tivesse um marido e que o homem tivesse uma esposa. “Tudo isso mudou muito. Essa decisão endossa essa mudança de costumes. A meta dos jovens não é mais, necessariamente, se casar, e a meta de quem se casa não é, necessariamente, ter filhos”, finaliza.
*A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar toda quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7 FM; Ribeirão Preto 107,9 FM) e também no Youtube, com produção do Jornal da USP e TV USP.
O pacote do veneno afeta bem mais do que a sua alface
Há tempos temos nos afastado, cada vez mais, da forma como nossos alimentos são elaborados. A carne crua na bandeja de isopor esconde sua relação com o boi; o leite na caixinha não parece guardar qualquer vínculo com o animal do qual se origina. Com os vegetais não é diferente: sabemos que eles vêm da terra, é claro, mas não temos a real noção sobre como foram produzidos, sobre quais e quantos produtos químicos foram aplicados para possibilitar seu cultivo. O imaginário de que a nossa alface é produzida por uma família feliz, que vive da terra, corresponde cada vez menos à realidade. E toda essa situação, infelizmente, tende a piorar.
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6.299/2002, conhecido como “pacote do veneno”. O texto, que tramita há 20 anos no Congresso Nacional, foi aprovado em regime de urgência – e, agora, segue para o Senado. É inegável que uma lei que regule o uso de agrotóxicos no campo é necessária, mas, definitivamente, não essa. O mundo inteiro está em busca de alimentos menos – e não mais – dependentes de agrotóxicos.
O pacote do veneno tem um objetivo: facilitar a aprovação de agrotóxicos, tornando-a mais rápida e menos criteriosa. Para isso, tira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o poder de decisão sobre o registro de agrotóxicos, deixando a palavra final apenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Sim – quem quer usar agrotóxicos se torna o único responsável pela liberação.
Além disso, o texto estabelece prazos irreais para forçar a aprovação de venenos, conferindo um registro temporário para todo produto que não for analisado no ínfimo período de dois anos – desde que o veneno seja reconhecido por ao menos três países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil não faz parte. E a cereja do bolo: a mudança do termo “agrotóxico” para “pesticida”.
Não há dúvidas sobre o resultado de uma política como essa. Cerca de 30% dos agrotóxicos aprovados no Brasil nos últimos cinco anos são proibidos na União Europeia. Em 2015, por exemplo, o glifosato foi considerado cancerígeno pela Agência Internacional de Câncer e está na base das nossas lavouras de soja.
O argumento de que facilitar a liberação de agrotóxicos favorece o avanço da produção reflete a apologia de um modelo que se revelou insustentável, ameaçador e concentrador. É verdade que o sistema agroalimentar mundial conseguiu reduzir a fome desde os anos 1960, por meio da Revolução Verde, que permitiu a ampliação espetacular das safras de trigo e arroz na Índia e no México, e de soja, na América Latina.
Essa conquista, no entanto, foi alcançada por meio da extinção em massa da agrobiodiversidade, substituída por culturas simplificadas, homogêneas, dependentes de poucas variedades e apoiadas pelo uso crescente de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Nesse modelo, a palavra de ordem é invariável: mais do mesmo, com cada vez mais veneno.
Mais do que causar a erosão da biodiversidade do planeta, a concentração produtiva é um fator de risco global crescente: quanto mais venenos nas lavouras, mais emergem fungos, ervas e insetos resistentes a venenos, num círculo vicioso que o mundo quer – e precisa – interromper. Não é por outra razão que a União Europeia está fazendo da agroecologia um objetivo estratégico de sua organização agroalimentar e que a China igualmente decidiu reduzir (e não ampliar) o uso de agrotóxicos.
Os impactos nocivos desse sistema alimentar não se restringem ao meio ambiente: chegam à sociedade como um todo. Nas periferias, é cada vez mais comum o consumo de alimentos ultraprocessados – nutricionalmente pobres, produzidos à base de commodities e responsáveis pela alta prevalência de doenças crônicas, como hipertensão e diabete, entre outras. Hoje, já existem evidências de que agrotóxicos também estão presentes em ultraprocessados, mesmo naqueles com forte apelo infantil.
O maior desafio de nossa agropecuária é promover a transição para formas de produção que se apoiem no conhecimento e não na destruição da biodiversidade. Não é aprovando mais que teremos um sistema alimentar justo e sustentável, mas fazendo valer políticas públicas importantes, como os conselhos de segurança alimentar e nutricional ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar, e até criando políticas que beneficiem a agricultura familiar, o emprego de mais trabalhadores, a produção descentralizada e agrobiodiversa, a distribuição eficaz de alimentos. Apoiar o pacote do veneno é fomentar um sistema falido, nocivo e insustentável, e que serve apenas ao lucro de poucos.
Fonte: Jornal da USP/artigo
Declínio cognitivo é maior para quem consome mais de 20% das calorias diárias em ultraprocessados
Pães de forma, macarrão instantâneo, refrigerantes: os ultraprocessados são produtos que passaram por um longo processo industrial ao ponto de sua composição final não lembrar a comida de verdade. Vários estudos mostram os prejuízos que eles causam à saúde. Uma das pesquisas mais recentes foi realizada por cientistas da USP com base no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) e mostra que o consumo de ultraprocessados é um dos fatores que contribuem para o declínio do desempenho cognitivo ao longo do tempo. Os resultados mostraram que a queda cognitiva ao longo da vida foi 28% maior entre os participantes que consumiram mais de 20% das calorias diárias em ultraprocessados. Isso equivale, por exemplo, a comer três pães de forma todos os dias.
Os dados foram apresentados durante a Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, que aconteceu entre 31 de julho e 4 de agosto, em San Diego, nos Estados Unidos.
O Elsa-Brasil é um estudo epidemiológico nacional realizado desde 2008 por várias instituições como a USP, UFES, Fiocruz, UFBA, UFMG e UFRGS, que acompanha o estado de saúde de cerca de 15 mil funcionários. A ideia é investigar a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto) e outras associadas. Os participantes, com idades entre 35 e 74 anos, são de várias regiões do País. No próximo mês de agosto, eles serão novamente convocados para entrevistas e exames que identifiquem uma possível evolução dos fatores de risco para essas doenças, consideradas a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.
Entre vários outros aspectos da saúde, o Elsa é o estudo com a maior amostra e o maior tempo de avaliação da performance cognitiva no Brasil. Os dados das três primeiras ondas (entre 2008 e 2010, 2012 e 2014 e de 2017 a 2018) embasaram uma série de artigos que encontraram associações de piora do desempenho cognitivo com diversos fatores, como, por exemplo, enxaquecas, consumo de álcool, inflamação e, principalmente, doenças vasculares como a hipertensão.
Fatores sociais também se mostram relevantes: um dos artigos mostrou que a adesão à dieta MIND (Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay), criada para reduzir o risco de doenças que afetam a memória e a mente, só mostrou eficiência nesse objetivo em pacientes de alta renda, com melhores condições materiais de se alimentar de forma saudável. Em outro, os pesquisadores observaram que o estresse relacionado à rotina de trabalho também está associado ao declínio cognitivo.
Durante a conferência em San Diego, a equipe do Elsa apresenta dois novos estudos longitudinais, ainda não publicados, baseados no acompanhamento dos participantes durante as três primeiras ondas, que identificaram dois fatores que contribuem para o declínio do desempenho cognitivo ao longo do tempo: o consumo de ultraprocessados e o impacto do acúmulo de gordura nas artérias.
Consumo de ultraprocessados
O estudo sobre ultraprocessados foi realizado pela pesquisadora Natália Gonçalves em colaboração com outros integrantes do Elsa, inclusive, o grupo de pesquisa do professor Carlos Augusto Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Faculdade de Saúde Pública (FSP), um dos órgãos diretamente envolvidos na elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira.
A pesquisa utilizou os dados de 10.775 pessoas coletados nas três primeiras ondas do Elsa para classificar a alimentação dos participantes de acordo com os quatro grupos descritos pelo Guia: não processados (vegetais, frutas, cereais etc.), ingredientes culinários (azeites, sal, óleos), alimentos processados (com modificações leves como adição de sal ou açúcar) e ultraprocessados, “alimentos que passaram por um longo processo industrial ao ponto de que a sua composição final nem lembra comida de verdade” (pães de forma, macarrão instantâneo, marmitas prontas, refrigerantes, entre outros).
A partir disso, os pesquisadores dividiram as pessoas em quatro grupos, de acordo com a porcentagem de ultraprocessados na dieta, e descobriram que as pessoas que comem mais desse tipo de produto (acima de 20% da ingestão diária) têm uma queda 28% maior na performance cognitiva do que as que comem menos (abaixo de 20%).
Para tornar mais palpável o que isso significa, a pesquisadora explica que 20% de calorias diárias vindas de ultraprocessados equivalem a, por exemplo, míseras três fatias de pão de forma por dia.
“Esses resultados, além de inéditos, são muito importantes pois apontam para um comportamento que as pessoas podem modificar e, com isso, possivelmente diminuir a chance de declínio cognitivo ao longo dos anos”, diz Natália ao Jornal da USP.
Além dela, o artigo Higher consumption of ultra-processed foods is related to cognitive decline in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) tem como coautores Naomi Vidal Ferreira, Claudia Kimie Suemoto e Renata Bertazzi Levy, da Faculdade de Medicina da USP; Neha Khandpur, Euridice Martinez Steele, Dirce M. Marchioni, da Faculdade de Saúde Pública da USP; Paulo Andrade Lotufo e Isabela Judith Martins Bensenor, do Hospital Universitário da USP; Paulo Caramelli, da UFMG, e Sheila Maria Alvim de Matos, da UFBA.
Fonte: Jornal da USP
Episódio #76 do MEGAFONE: SINSSP assina a carta aos brasileiros e assim como o documento defende a democracia
No episódio #76 do MGEAFONE, o canal de Podcast do SINSSP vai falar sobre a assinatura e divulgação da Carta aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, documento organizado pela Faculdade de Direito da USP e demais entidades, que reúne assinaturas de intelectuais, artistas, políticos, banqueiros, empresários e a sociedade civil, em defesa da democracia e das urnas eletrônicas. Na carta é ressaltada a importância de defender e fortalecer a nossa constituição, as urnas eletrônicas e a democracia contra uma campanha baseada em argumentos falsos. Fique sintonizado com a gente!
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