Violência policial e ausência de políticas públicas escancaram racismo no Brasil
A infância e a adolescência vividas na periferia de Poá, na região metropolitana de São Paulo, forjaram o pensamento e as práticas de Wellington Lopes, 25 anos.
Como homem, preto e periférico, percebeu desde cedo que os enquadros da Polícia Militar (PM) são mais invasivos nas periferias, com a população negra e pobre, do que em regiões centrais.
Suas experiências o levaram a se formar em Ciências Sociais e até mudou de cidade em busca desse sonho. Foi assim que se formou na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
A mesma cidade que o acolheu, no entanto, foi a que lhe trouxe traumas.
Aos 21 anos, quando participava de um ato na Câmara Municipal de Paranaíba (MS), no interior do estado, ele foi arrastado pelo pescoço por um policial após se recusar a ficar calado durante a sessão de votação de proposta de aumento salarial de vereadores.
Os policiais foram acionados até o local para conter a manifestação. Wellington não usava nada além de sua voz, em um protesto pacífico ao lado de outros estudantes que faziam o mesmo.
De todos os alunos que acompanhavam a votação, apenas ele era negro e foi o único a ser enquadrado pela polícia.
“Questionei porque eles não tiraram outras pessoas do local e o policial me respondeu que só eu seria levado. Eu disse que ele estava fazendo isso porque eu era negro. Então, um dos policiais me pegou pelo pescoço, me arrastou para fora da sala de votação e deram vários murros na barriga, tentando me imobilizar”, descreve.
Por trás da violência
O relato de Wellington, seguido do estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que abordagens policiais refletem o racismo estrutural no país.
A população negra representa 78,9% das mortes no país ocasionadas por policiais.
O número de mortos por agentes públicos cresceu em 18 dos 27 estados brasileiros. Entre 2009 e 2019 o número absoluto de mortes violentas de pessoas negras subiu 1,6% no país, ao passo que o do restante da população caiu 33%.
Uma faceta
Pesquisador negro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e cientista em humanidades, Dennis Pacheco avalia que a violência policial é uma das muitas facetas da violência racial no Brasil.
“Somos os mais vulnerabilizados em consequência da transição que fizemos desde a escravização, não tendo sido efetivamente incluídos enquanto cidadãos pela garantia de nossos direitos através de políticas públicas focadas em nossas demandas, populações e territórios”, avalia.
De outro lado, ele observa que existe uma transformação na sociedade brasileira em que o Estado passa a se focar cada vez mais em punir e menos na efetivação de direitos.
“O resultado é o aprofundamento das consequências letais do racismo”, diz Pacheco, que integra também o Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da Universidade Federal do ABC (Seviju-UFABC).
Investimento em políticas
Com o desmonte das políticas públicas, principalmente durante o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), jovens negros da periferia precisam buscar alternativas de sobrevivência.
É comum, aponta a secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, Anatalina Lourenço, ver meninos vendendo mercadorias nos vagões de trem e do Metrô.
Foi assim que, em outubro, uma cena na cidade de São Paulo ocupou as redes sociais e manchetes de televisão.
Um homem negro, vendedor ambulante, foi imobilizado e agredido por dois seguranças do Metrô de São Paulo. Ele estava trabalhando na estação Anhangabaú, na região central da capital, quando foi abordado com violência pelos funcionários.
“Não se trata apenas de combater o racismo estrutural, uma vez que temos um governo federal que legitima o genocídio da população negra e a permanência dos casos de racismo, seguidos de violência, seja nos mercados, estações de Metrô ou até mesmo na rua”, afirma Anatalina.
Para enfrentar esta situação, a secretária de Combate ao Racismo da CUT-SP, Rosana Silva, defende a existência de um Estado brasileiro democrático com políticas voltadas ao atendimento da população negra e de combate à violência institucional.
“Sabemos que os negros e negras são os mais atingidos. Com a pandemia, a pobreza, a fome e a violência cresceram principalmente contra a nossa população”, ressalta
A secretária-adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Sousa, corrobora a avaliação. Para ela, o desemprego, a distribuição desigual de renda e a falta de serviços públicos, principalmente na área de saúde e educação, acentuam a violência contra a população negra.
“O aumento da corrupção, com uma política de segurança extremamente ultrapassada, principalmente a política antidrogas, faz com que a população negra seja as vítimas preferidas, daqueles que deveriam proteger”, completa.
Chega de aceitar desculpas de assassinos
As três dirigentes sindicais entrevistadas pela reportagem da CUT lembram que são muitos os shoppings, comércios e grandes redes que adotam comportamentos racistas há anos, com revista, perseguição e violência.
Recentemente, uma investigação feita pela Polícia Civil do Ceará descobriu que a loja Zara do Shopping Iguatemi, em Fortaleza, criou um código para funcionários ficarem em alerta e acompanharem pessoas negras ou com "roupas simples", uma prática explícita de racismo.
Outra situação foi a de uma mulher negra que estava dentro das Lojas Americanas do Shopping da Bahia, em Salvador. Após ser acusada de furto, tirou a roupa para provar o absurdo da acusação racista contra ela.
“E quem não se lembra também dos casos envolvendo a rede de supermercados Carrefour?”, questiona Rosana Silva.
A dirigente se refere ao fato ocorrido no dia 19 de novembro de 2020, às vésperas do Dia da Consciência Negra.
O trabalhador negro João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por dois homens brancos: um policial militar e por um segurança terceirizado do supermercado.
Há um ano, o Carrefour pediu desculpas sobre o ocorrido, mas o caso gerou revoltas em todo Brasil, com protestos nas diferentes capitais.
“Chega de aceitar desculpas de assassinos”, enfatiza Rosana, ao lembrar que a CUT, sindicatos e movimentos sociais foram às ruas, em 2020, com faixas dizendo: "Vidas negras importam, parem de nos matar."
CUT-SP e sindicatos promovem atividades de celebração e reflexão ao Novembro Negro
A CUT-SP promove e participa, ao lado de sindicatos e movimentos populares, de diversas atividades para refletir o Novembro Negro. Na agenda, estão previstas a realização de debates, intervenções culturais e atos por todo o estado de São Paulo.
O Novembro Negro, ou Mês da Consciência Negra, é uma referência à morte de Zumbi dos Palmares, escravizado que se tornou líder do Quilombo dos Palmares, ao lado de sua companheira Dandara, e que foi assassinado em 20 de novembro de 1665.
Todos os anos, os sindicatos CUTistas em todo o estado organizam atividades em suas bases de trabalhadores e trabalhadoras. Neste ano, ainda por conta dos casos de covid-19, parte das ações irá ocorrer no ambiente virtual.
Já a tradicional Marcha da Consciência Negra, no 20 de novembro, estará nas ruas incorporando a pauta pelo Fora Bolsonaro. Na capital, a 18ª edição do evento será na Avenida Paulista, com concentração às 13h, em frente ao Masp (Veja na agenda abaixo os atos em outras cidades).
Apesar de não existir uma lei estadual, no dia 20 de novembro está decretado feriado em 106 cidades, além da capital paulista.
Antes disso, no dia 18 de novembro, próxima quinta-feira, a CUT-SP realiza panfletagem e diálogo com a população no centro de São Paulo. Na ocasião, será lançado o jornal temático da Central sobre o mês de luta, com textos que abordam os 18 anos da Lei de Cotas (12.711/12), a violência e o genocídio, o mercado de trabalho e as consequências da pandemia à população negra. A publicação também trará nomes de mulheres e homens negros que se destacaram nas diversas áreas de atuação.
Veja abaixo o calendário das ações pelo estado de São Paulo. A agenda será atualizada constantemente e, com isso, pode sofrer alterações nas datas e horários das atividades.
São Paulo
Dia 18 – 9h
Panfletagem da Consciência Negra da CUT-SP – às 9h na Praça do Patriarca –p centro de SP.
Dia 20 - 13h
18ª Marcha da Consciência Negra na Avenida Paulista. A CUT-SP terá um caminhão com várias intervenções políticas e culturais durante a marcha. A concentração será às 13h na em frente a estação MASP do metrô. Haverá caminhada até o Teatro Municipal no centro de São Paulo.
Dia 26 - 10h
Live da Consciência Negra da CUT-SP em parceria com a Secretaria da Mulher Trabalhadora.
Guarulhos
Dia 17 - 17h30
Live da Subsede da CUT Guarulhos com Marilândia Frazão e Júlio Santos.
Dia 20 – 8h30
16ª Marcha da Consciência Negra de Guarulhos
Concentração no Centro de Guarulhos, com o seguinte trajeto: Nossa Senhora Mãe dos Homens Pretos, av. Esperança, Praça Getúlio Vargas, rua Luiz Gama, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos encerra na Mancha da D. Pedro. Depois o grupo seguirá para a Marcha da Paulista.
Campinas
Dia 17 - 18h
Atividade da subsede da CUT Campinas - Leitura teatral – Somos todos Racionais
Rua Ferreira Penteado, 46, no Centro de Campinas (participação mediante inscrição)
Sorocaba
Dia 20 – 11h
Marcha Preta Sorocaba – Concentração na Capela João de Camargo com saída rumo ao Fórum velho.