Nesta segunda-feira (22), Dia Mundial da Água, o geógrafo Wagner Ribeiro alerta que São Paulo “já está diante da iminência da falta de água” em plena pandemia de covid-19. Segundo dados dos mananciais da Sabesp, o volume total armazenado nos reservatórios que abastecem a região metropolitana é de 60,1%. Menos 15 pontos percentuais do que o registrado no ano passado, na ordem de 75%.
Os sistemas em níveis mais preocupantes são o Rio Claro (52,3%) e Cantareira (52,5%), o maior e que atende 8,1 milhões de pessoas nas zonas norte, central e cidades ao norte da capital paulista. Para o mesmo período, no ano passado, o indicador do Cantareira era de 64%. A escassez no volume acende alerta de crise hídrica, como destaca o professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), em sua coluna na Rádio Brasil Atual.
“Os gestores vão dizer que os sistemas estão integrados. Que eles fizeram acordo com o Rio de Janeiro para eventualmente desviar a água do rio Paraíba para cá. Mas sabemos que tudo isso é insuficiente, porque estamos assistindo, inclusive em São Paulo, a financeirização dos contratos de água. Aqueles famosos e absurdos contratos que garante água mais barata, o metro cúbico mais barato, a quem usa mais, do que a uma família de baixa renda, por exemplo”, contesta Wagner Ribeiro.
Água tornou-se mercadoria
De acordo com o professor da USP, o polêmico “contrato de água” está ancorado também na discussão sobre o processo de privatização que avança no Brasil desde a aprovação da nova lei do saneamento básico, que abre o setor para a iniciativa privada. O presidente Jair Bolsonaro, na semana passada, ainda vetou um período de transição de 30 anos dos contratos com empresas estaduais de saneamento. O que significa que as companhias públicas de água terão de participar de licitação para concorrer aos contratos.
“Estamos diante de uma situação muito preocupante porque o mundo caminha na direção contrária à nossa. Depois de 20, 30 anos de privatizações, mostrou- se claramente que a água diminui de qualidade, não há garantia de abastecimento à médio e longo prazo. E estamos falando de Buenos Aires, Berlin, Paris, Jacarta. Grandes conglomerados urbanos, que estão voltando à gestão estatal da água”, critica Wagner. “O governo aposta no contrário do que o mundo está fazendo, depois de perceber que a privatização só gerou lucro e resultados para os capitalistas”.
Além do processo de privatização, a crise hídrica ainda se associa às mudanças climáticas. O monitoramento da Sabesp indica que o volume de chuvas é cada vez menor em todos os sete reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo. No Cantareira, o total de chuva recebido este ano pelo sistema foi de 138,8 milímetros (mm), abaixo da média histórica de 176,2 e milímetros. A queda foi ainda maior no sistema Rio Grande, que acumulou 71,4 ante a média de 187,2 milímetros.
Crise hídrica
Professor, geógrafo e técnico agropecuário, Milton Pomar analisa que “se não há investimentos na captação, no tratamento e na distribuição, haverá sempre isso, esse estresse permanente das pessoas ficando sob o racionamento de água em uma cidade rica”. Em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, acompanhado de Wagner Ribeiro, ele alerta que a queda no abastecimento de água exige acompanhamento. “Se São Paulo, a cidade mais rica do país, passa por uma situação dessas, você imagina nas regiões pobres”, observa.
“O maior problema que temos hoje são as grandes cidades. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, olha o volume que se precisa para atender a população. Temos que ter isso presente. Lembrando que um litro de água mineral custa mais caro que um de leite”, completa o técnico agropecuário.
Os especialistas reforçam que a situação é complexa. De um lado há a diminuição do regime de chuvas, que leva à seca e às dificuldades, principalmente para a população rural. Por outro, também são registrados chuvas muito intensas e concentradas em uma pequena área, que ameaçam parte da população urbana que vive em áreas de risco, sujeitas a alagamentos e deslizamentos de terra.
Falta de saneamento
Relatório divulgado nesta segunda pelo Instituto Trata Brasil aponta que 21,7 milhões de brasileiros residentes nas 100 maiores cidades do país não têm coleta de esgoto em suas casas. E 5,5 milhões deles não têm também acesso a água potável. Os indicadores de saneamento mais baixos estão concentrados sobretudo na região Norte do país. Milton Pomar comenta que a falta de saneamento “se traduz em doenças, as chamadas doenças da água, que matam principalmente crianças de até 5 anos. (A falta de saneamento) tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas”.
A preocupação sanitária também é levantada pelo Ministério Público Federal, que lançou nesta segunda-feira a ferramenta digital socioeducativa “Água Boa de Beber”. Segundo o MP, a iniciativa visa facilitar o acesso a dados públicos de monitoramento da qualidade da água em todo o Brasil. O objetivo da plataforma é convidar a população a participar do controle social desse bem indispensável para a sobrevivência, além de findável.
A procuradora regional da República, Sandra Kishi, coordenadora do projeto Conexão Água, do MPF, responsável pela ferramenta, destaca que “a pandemia de covid-19 escancarou a relação das doenças com a própria falta de saneamento básico”. Sandra também ressalta que “não necessariamente o fato da água ser potável significa que ela é segura para consumo”. O fundamental, declara a procuradora, é que a água seja pura.
Cidadania hídrica e ambiental
“A população precisa criar consciência e ser estimulada a participar desse monitoramento da qualidade. A partir dessa conscientização pública sobre a necessidade de água pura é que vamos exercer a cidadania hídrica e ambiental tão necessária nos dias de hoje”, garante Sandra, à Rádio Brasil Atual.
A estimativa é que 46% da população brasileira consuma água imprópria devido à falta de saneamento. Em todo o mundo, 2,4 bilhões de pessoas não têm água potável e 4,4 bilhões vivem sem saneamento básico.
Fonte:Redação RBA