Ainda que, na sociedade, o respeito à população LGBTQIA+ tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos e a luta contra o preconceito e à discriminação tenham frequentado mais os diversos espaços de discussão, incluindo a mídia, a luta pelo direito de viver ainda é uma das pautas principais dessa população. E no dia 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, a pauta tem um destaque ainda maior.
O Brasil ainda apresenta índices assustadores de violência contra a população LGBTQIA+. É um dos países que mais mata lésbicas, gays, bissexuais e, em especial, travestis e pessoas trans. Dados publicados pelo Observatório de Mortes e Violência contra LGBTQIA+ mostram que entre os anos de 2000 e de 2021, 5.362 pessoas foram mortas apenas em função de sua orientação sexual ser diversa à heternormatividade, em geral, imposta por fatia da sociedade que se mostra conservadora e com princípios religiosos fundamentalistas.
Hoje, cinco pessoas por dia morrem por serem o que são. E é pelo direito de viver que o 28 de Junho existe. “Não é um dia de celebração e sim de manifesto. Desde a origem da data, usamos esse dia para reforçar nossa luta em todos os espaços como as redes, as ruas e os espaços políticos. É para mostrar que existimos e não somos minoria”, explica Walmir Siqueira, o professor Wal, coordenador do Coletivo Nacional LGBTQIA+ da CUT.
Por essa violência gerada pela não aceitação muitas dessas pessoas sequer têm o direito de se expressar, de mostrar o que é em sua essência e isso, por si só, já se configura como uma violência – a violência de um indivíduo ser obrigado a viver nas sombras.
Entre os muitos casos que ganharam repercussão nos últimos tempos estão o de um casal de lésbicas em São Vicente, litoral de São Paulo. Uma das vítimas, de 25 anos foi hostilizada gratuitamente por estar com sua namorada nas proximidades de um bar na rua Martim Afonso.
Ao confrontar o agressor, foi atingida na cabeça com um banco. O caso foi registrado como lesão corporal e injúria no 1° DP de São Vicente, ainda que exista a tipificação de homofobia no âmbito da Lei 7716/2019, a Lei de racismo.
“Estamos falando de uma privação de liberdade”, diz o professor Wal reforçando que a data significa a luta pelo direito de reconhecimento enquanto cidadãos.
Segundo pesquisa do IBGE, cerca de 2.9 milhões de pessoas maiores de 18 anos se declaram como LGBT´s. No entanto, os números podem estar subestimados já que grande parte das pessoas enfrentam o medo da violência e do preconceito.
Somente na última Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, em 19 de junho, de acordo com os organizadores, passaram pela Avenida Paulista mais de três milhões de pessoas. “Muitos, infelizmente são pessoas que podem se expressar somente nessas ocasiões porque no dia a dia, no metrô, se mostrarem quem são, podem ser agredidas”, diz Wal.
E, de acordo com Wal, a violência, em geral praticada por conservadores acaba tendo amparo no Estado e vem se agravando cada vez mais. É o que mostra também um relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), “a violência transfóbica, o discurso de ódio e uma ideologia antitrans tem crescido e ganhado muita força nas redes sociais desde 2014, e fez-se mais presente em 2020 e em 2021, diante da crise política, econômica e humanitária no Brasil”.
Somente em 2021, 140 pessoas trans e travestis morreram no Brasil, vítimas do ódio. E, ainda que a lei antirracismo, traga em seu bojo menção à LGBTQIA+fobia, ainda não há no país uma legislação específica que criminalize esses atos.
Direitos
A luta pela visibilidade não é somente contra a violência. É também pelo reconhecimento e garantia de direitos a essas pessoas. “É impensável estarmos no século 21 e ainda termos que discutir sobre o direito de amar de cada um de nós e o direito de cada um escolher quem quiser para ser seu cônjuge”, afirma Wal.
A liberdade de afeto e orientação sexual, ele diz, passa necessariamente pela garantia de direitos comuns às pessoas heterossexuais. O professor explica que as leis precisam ter claro que se uma pessoa mantém um relacionamento homoafetivo, cônjuges também têm de ter os mesmos direitos que maridos e esposas em relações habituais.
Entre esses direitos, além do direito de ir e vir, estão questões relacionadas à extensão de benefícios no âmbito do trabalho, como convênios médicos, por exemplo, e o direito à herança.
Sobre casos assim, explica o coordenador do Coletivo LGBTQIA+ da CUT, há muitas situações de morte da parceira ou do parceiro e ‘aquele que fica, fica sem nada do que foi construído durante o relacionamento porque a família, geralmente, tira tudo”.
Orgulho
A motivação para a violência e o cerceamento de direitos, na avaliação de Walmir Siqueira, vem justamente da educação conservadora e dos conceitos religiosos. Uma sociedade evoluída, ele diz, ensinaria suas filhas e filhos, desde cedo a entenderem, respeitarem e conviverem com o diferente. E não somente em relação às questões de gênero e sexualidade mas também em relação à questão racial e de pessoas com deficiências.
É incrível como as pessoas não aceitam as diferentes formas de amar e como elas deturpam o afeto, tornando em suas mentes o amor um ato não natural. Não é possível que as pessoas achem que o afeto não é de Deus
– Walmir Siqueira
Para o coordenador, orgulho, hoje, é viver. “De conseguir viver em um país em que grande parcela é agressiva e que quer construir um país que não é para todos”, diz Wal se referindo à onda ideológica fascista que tomou conta no país, em especial desde 2019, com o atual governo e que se reflete na discriminação e na violência contra a população LGBTQIA+.
Ação da CUT
Em toda a sua história, a CUT tem organizado espaços de diálogo e organização da população LGBTQIA+, com foco em seus sindicatos, por entender que não existe justiça e igualdade sem respeito à diversidade.
Por meio de seu coletivo nacional e pelos coletivos regionais, a Central atua na luta por direitos, por visibilidade e, principalmente para que a pauta seja constante em negociações coletivas de trabalhadores.
Há parcerias, inclusive, com diversas ONG´s e movimentos sociais para que a representação seja cada vez mais abrangente, incluindo trabalhadoras e trabalhadores LGBTQIA+ informais. Walmir Siqueira cita como exemplo dessa atuação, frentes de defesa e amparo da população trans, historicamente excluída tanto do mercado de trabalho como da educação, uma realidade que para muitas pessoas, significa buscar a sobrevivência na prostituição, que mais sofre violência.
Novos tempos
Apesar de ainda a população LGBTQIA+ estar longe de poder viver um tempo de liberdade para cada um ser o que é, os últimos tempos têm mostrado um certo avanço na questão da visibilidade. A análise de Walmir Siqueira é de que o assunto tem ganhando cada vez mais destaque nos debates na sociedade e mais pessoas estão ‘abraçando a causa’.
“Temos visto uma nova era. A juventude vem com um outro olhar. Não há o mesmo ódio e agressividade que as gerações anteriores, no entanto ainda há muita discriminação por segmentos como as pessoas trans e travestis”, ele explica.
Para ele, não é possível dizer que “o Brasil está surfando, mas há mais pessoas aceitando as normalidades da vida”. Diz ainda que “apesar do governo conservador, a juventude tem abraçado causa e a luta LGBTQIA+ e nisso está uma esperança de dias melhores”.
Almanaque
No mês de julho, Mês do Orgulho, a CUT destaca seu Almanaque LGBTQIA+. A produção, em vídeo e publicação, visa ampliar o debate sobre questões importantes como diversidade, preconceito, saúde e trabalho. E, para isso conta com participações especiais de personalidades que militam na causa LGBTQIA+
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Em uma ação conjunta entre a CUT e o Escritório LBS Advogados, que presta assessoria jurídica para a Central, foi elaborado também a Cartilha Inclusão e Direitos LGBTQIA+, cujo conteúdo aborda, além de informações sobrea trajetória da luta por direitos, questões como direitos civis (nome, casamento, adoção, entre outros); alistamento militar; direitos à saúde, confirmação de gênero, pensão, aposentadoria e dicas sobre livros, filme e séries alusivas ao tema.
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Em luta pela diversidade
A luta histórica da população LGBTQIA+ tem crescido ao longo de tempo e tem, cada vez mais, conscientizado a sociedade sobre o tema. Entre as muitas personalidades que podem ser destacadas nessa luta, listamos algumas da atualidade:
Pablo Vittar
Jovem, 25 anos, é um ícone na música brasileira e usa sua imagem como ativismo político, de afirmação e aceitação, de luta contra o preconceito.
Linn da Quebrada
Assim como Pablo Vittar, Lina faz de seu corpo seu instrumento de ativismo político. Ela já conquistou lugares nunca antes abertos para a população trans.
Glenn Greenwald
O jornalista americano, sempre lutou pela liberdade LGBTQIA+. Glenn fundou também o site The Intercept, que, em 2019, divulgou reportagens que denunciava ilegalidades na Lava Jato.
Renan Quinalha
Jovem jurista, ele faz parte da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo e foi responsável pelo livro “Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade” ao lado do historiador americano James Green.
Daniela Mercury
Uma das maiores cantoras do país, a baiana auta de maneira firme na defesa da causa LGBT. Ela faz questão de levantar a bandeira em seus shows e é ativista da causa.
Na internet, diversos canais nas mais diversas plataformas também têm grande número de seguidores. Um deles é o Spartakus Santiago, que fala sobre racismo, ideologia, política, apropriação cultural e outros temas.
Voltado à saúde e bem-estar da população LGBTQIA+, o canal @DoutorMaravilha traz um equipe de profissionais da área para dialogar com a população.
A Confederação Nacional dos Trabalhaddores no Vestuário da CUT (CNTRV) também estreou um canal para tratar das pautas LGBQIA+. O 6° episódio foi ar nesta segunda (27). Cida Trajano, presidenta da CNTRV, e Jansen Nunes, coordenador da Secretaria de Políticas Sociais do Sindicato dos Químicos do ABC, mostra os desafios que o movimento sindical deve enfrentar para implementar pautas específicas para trabalhador@s LGBTQIA+.