Ministra publica portaria para convocar grupo de trabalho que analisará plano de políticas públicas para a proteção de minorias, mas com representação apenas de servidores do próprio governo.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves quer revisar a Política Nacional de Direitos Humanos (PNDH), mas sem a participação da sociedade civil. Na quarta-feira (10), a pasta publicou a portaria nº 457 que institui o Grupo de Trabalho para a realização, segundo o documento, de “análise” do 3º programa, chamado de PNDH-3. O grupo, no entanto, será composto apenas por servidores do próprio ministério.
Ao todo, serão 14 integrantes do governo federal que terão direito ao voto ordinário e de qualidade, em caso de empate. Mas não há nenhuma previsão de representação da sociedade civil ou de outros órgãos públicos com atuação na temática de direitos humanos. Em um trecho da medida, o texto cita apenas que o grupo de trabalho poderá convidar “representantes de entidades públicas e privadas”. Mas elas “não terão direito a voto” na discussão sobre a PNDH.
A portaria menciona ainda que o objetivo é “analisar aspectos atinentes à formulação, desenho, governança, monitoramento e avaliação da Política Nacional de Direitos Humanos, com vistas a oferecer recomendações para seu aprimoramento e de seus programas”.
Sem participação, sem democracia
Decretado em 2009, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o PNDH-3 é considerado um “verdadeiro roteiro para a consolidação da democracia” brasileira, ao traçar ações voltadas às maiorias ‘minorizadas’, como a população negra, LGBT, de mulheres, pessoas com deficiência e trabalhadores. Seu processo de criação à época também ficou marcado por uma “construção coletiva”, com a participação popular de cerca de 14 mil pessoas.
Por conta disso, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos afirmou ter recebido a nova portaria com “surpresa”, “pois exclui a sociedade de um debate fundamental”. Em nota, publicada nesta quinta-feira (11), o CNDH informa que “não há como garantir os preceitos constitucionais e democráticos, sem a participação social legítima”. “Inclusive com representação de minorias, além de previsão de tempo suficiente para aprofundamento e amadurecimento das discussões e de um amplo debate sobre qual será a agenda priorizada para ampliação da garantia de direitos humanos em nosso país”, adverte o documento.
A informação de que o texto seria refeito por Damares foi antecipada pela colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, na quarta-feira. Ao jornal, o ministério declarou que o texto atual “tem metas inatingíveis e pouco focadas em ações efetivas e de impacto social”.
Aparelhamento ideológico
O Conselho Nacional de Direitos Humanos também contesta essa crítica do governo. O órgão lembra que as propostas aprovadas no campo da segurança, educação e das garantias fundamentais receberam o aval de “27 conferências em todos os estados e no Distrito Federal”. Além de terem passado por “137 encontros prévios, conferências livres, regionais, territoriais, municipais ou pré-conferências”.
Para a diretora executiva da CUT, Virginia Berriel, a portaria de Damares é uma proposta “autoritária”. Segundo ela, “debater a PNDH significa que o governo pretende alterar o programa “inserindo seu viés ideológico”. Nesse caso, “conservador, machista, misógino e de exclusão dos segmentos mais vulneráveis”.
Em dois anos, desde o começo da gestão da ministra, a Política Nacional de Direitos Humanos é marcada por ofensivas do governo de Jair Bolsonaro. O presidente do CNDH, Yuri Costa, ressalta que em 2019 Damares assinou decreto que extinguiu o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3. No ano passado, o órgão denunciou, como mostra reportagem da RBA, diversas interferências da ministra contra o próprio Conselho, que era ignorado por ela para que a secretaria-executiva, órgão do CNDH, fosse nomeado apenas por sujeitos alinhados ao governo.
De acordo com a Folha, ex-ministros de Direitos Humanos e parlamentares ligados à temática também estão se organizando para denunciar às autoridades internacionais a nova portaria de Damares.
Fonte: Redação RBA