Mais uma Copa do Mundo se aproxima, e nos céus do jornalismo e alhures já troveja a questão: torcer ou não torcer pelo esquadrão canarinho?
Desfilam os raios e coriscos de ambos os lados, prós e contras. Os prós centram-se em torno do eixo de que o futebol é um patrimônio do povo brasileiro, importado da Inglaterra mas nacionalizado como aperitivo de primeira dos churrascos e outras comemorações ou choradeiras que se seguem. Os contras, centram-se em que estamos sob um governo golpista a ser favorecido por uma vitória, que a FIFA e a CBF são acusadas de serem poços sem fundo de corrupção e por aí vai.
Vejamos um pouco de história. Em 1950 o Brasil sediou pela primeira vez a Copa do Mundo, em sua quarta edição, a primeira depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Éramos um país em ascensão. A Europa ainda estava semi-destruída.
O Brasil fora o único país do continente americano ao sul do Rio Bravo (Grande para os norte-americanos) a enviar tropas para lutar no continente europeu. O Brasil recebera – por estas artes do destino – o galardão de abrir a Assembleia Geral da ONU, tradição que se mantém até hoje. O representante brasileiro – Osvaldo Aranha, pai do imortal filé que até hoje leva seu nome no Rio de Janeiro – presidiu a sessão que aprovou a criação do Estado de Israel.
Bom, hoje isto está em discussão, mas na época foi considerado ser uma honra. O resultado final do torneio foi um dos grandes desastres futebolísticos do país, somente comparável aos 7 a 1 recentes, contra a Alemanha. Mas o nome do Brasil, que já reluzira, embora pouco, nos anos que antecederam a Segunda Guerra, foi definitivamente entronizado no futebol.
Seguiu-se o fiasco de 1954, e o ano eufórico de 1958, aquele “que não deveria terminar”, segundo Joaquim Ferreira dos Santos. Ali presenciamos – primeiro ouvindo pelo rádio, depois vendo no cinema, os que estavam no Brasil – a “caminhada do século”. Logo aos 4 minutos, depois de sete passes precisos, sem que ninguém do Brasil tocasse na bola, Niels Liedholm abriu o placar: Suécia 1 x 0.
Gilmar, o goleiro, ficou estatelado no chão. Estatelado ficou o time inteiro, e o Brasil inteiro junto. Foi então que Didi, apelidado de “O príncipe etíope”, que, segundo Nelson Rodrigues, quando corria em campo levava aos ombros um invisível mas presente manto de arminho, caminhou até o fundo do gol, apanhou a bola e a passo lento e majestoso levou-a até o meio do campo, onde a jogou ao solo e consta que teria dito: “vamos acabar com estes gringos”.
Quando contei esta anedota ao querido mestre Antonio Candido ele riu muito e lembrou que até então a tradição brasileira lembrava frases tonitruantes, como “Independência ou Morte”, “Digam ao povo que fico”, “Os que forem brasileiros que me sigam”, ou até mesmo a trágica “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e deixo a vida para entrar na história”.
Didi, na anedota ou fora dela, deu outro rumo para estes fraseados. Não foi o primeiro a ser batizado “rei” em nossa tradição, tendo sido este o também imortal Friedenreich. Mas foi rei antes de Pelé: Didi foi eleito o melhor jogador daquela Copa, e ficou consagrado no sambinha de Tulio Piva: “Do Oiapoque ao Chuí/Corre uma alegria/Como eu nunca vi:/É que o Brasil/Lá nos campos da Europa/Deu um baile/Dançou samba/E trouxe a Copa.//Zagalo tabelava com Pelé/Didi, rei com a bola no pé/Garrincha, tico-tico no fubá/E a torcida gritava:/Gol de Vavá!”
Até 1950 a cor predominante da camiseta da seleção brasileira era a branca. Em 54 o Brasil estreou a camiseta canarinho. O fracasso daquele ano quase a enterrou. Mas ela foi consagrada em 58, embora na final o Brasil usasse uma camiseta azul, já que a da Suécia também era amarela.
Bom, “o mundo girou e a Lusitana rodou” e, em 1970, pela primeira vez, nos vimos diante do dilema: torcer ou não torcer, nós, os das esquerdas, então trituradas e esmagadas. Em plena ditadura, o Brasil enfrentava os sombrios tempos do governo Médici –torturas e assassinatos correndo à solta –, junto com a euforia maluca do “Brasil ame-o ou deixe-o”, vulgar imitação do “America: love it or leave it”.
Em todos os recantos do país, do fundo das prisões aos encontros sussurrados e semi-clandestinos, houve juras de que não torceríamos por aquele time que, embora preparado pelo ex-comuna João Saldanha, caíra nas mãos do anódino Zagallo, já que o governo vetara aquele no comando das “onze feras”, como ele dizia.
Quando Ladislav Petras abriu o placar para o adversário, aos 12 minutos do primeiro tempo, na estreia contra a Tcheco-eslováquia, aquela firme decisão transformou-se num furioso ranger de dentes. E quando Rivelino empatou, aos 24, ela derreteu e saiu um urro de desabafo que só foi acabar no quarto gol, por Carlos Alberto, na vitoriosa goleada final contra a Itália.
Conclusão: o governo era terrível, mas o futebol e o coração eram maiores.
Pois o mundo continuou a girar e a Lusitana, a rodar. Novamente nos vimos diante do dilema “torcer ou não torcer” na Copa de 2014. Muita confusão. A direita espalhando a descrença no país e na organização da Copa e muita gente pelas esquerdas também, torcendo o nariz diante da conquista de ser a sede do mundial.
A Embaixada Brasileira foi apedrejada em Berlim, na calada da noite, por um bando de pseudo-esquerdinhas em “solidariedade” ao povo brasileiro (por sinal, agora estes apedrejadores estão com as pedras, assim como @s paneleir@s e suas panelas no Brasil – enfiadas no meio das pernas – e isto não é, friso, não é um estímulo a apedrejamentos que, desde os tempos de Cristo, estão sumariamente condenados).
Como já era de costume desde meados de 2013, esses rugidos, rosnares ou miados de insatisfação foram capitalizados e apropriados pela direita, naquelas cenas grotescas das tribunas de ricaços insultando com palavrões a presidenta presente, abrindo o caminho para sua ilegítima e ilegal derrubada dois anos depois. E a única coisa que não funcionou na Copa foi a seleção dentro do campo.
Agora estamos de novo diante do dilema.
De meu lado, a conclusão que tiro é clara. Não quero impo-la a ninguém mas, para mim, não torcer pelo Brasil, dentro e fora do campo, foi e é coisa da direita.
Fonte:Flávio Aguiar/RBA