Governo federal propõe ampliação de cotas raciais em concursos públicos

O governo federal deve propor, nas próximas semanas, ao Congresso Nacional um projeto de lei que visa aumentar o percentual de vagas em concursos públicos realizados pela União. Pelo texto, o número de vagas destinadas para candidatos pretos e pardos passaria de 20% para 30%.

O PL, de autoria dos ministérios da Igualdade Racial, da Gestão e Inovação e da Justiça, também propõe uma subcota com metade dessas vagas destinadas para mulheres pretas. O novo texto, se aprovado no Congresso, será válido para contratações de cargos no âmbito do funcionalismo público federal.

A Folha do Servidor chegou a noticiar, no começo do ano, que a pauta sobre a ampliação de normas para inclusão social faz parte de um conjunto de modernizações que serão feitas nos concursos públicos na gestão atual.

Atualmente, a quantidade de servidores negros que ocupam cargos públicos equivale a 36%, num cenário em que mais de 55% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos, segundo informações divulgadas pela Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

Esse PL precisa do aval da Câmara dos deputados e do Senado, o governo federal está na expectativa de que a aprovação, nas duas casas, ocorra até o início do próximo ano, em 2024.

Fonte: Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP)

 


USP adota cotas para concursos, mas coletivos contestam obstáculo imposto pela regra

O Conselho Universitário da Universidade de São Paulo aprovou, no dia 22/05, uma política de cotas raciais para vagas em concursos e processos seletivos de professores e servidores técnico-administrativos.

Segundo um censo interno, a principal universidade do País possui apenas 2,29% de professores pretos e pardos, enquanto indígenas representam 0,02%.

Coletivos da USP avaliam, porém, que as medidas anunciadas para ampliar a diversidade na instituição não funcionam, uma vez que as regras determinam que os 20% de vagas a serem destinadas aos candidatos pretos, pardos e indígenas se aplicarão apenas quando houver pelo menos três postos abertos.

Estudantes sustentam que a maioria dos concursos para cargos na universidade prevê apenas uma vaga, o que inviabilizaria a própria política de cotas.

Em 2023, dos vinte editais abertos para o cargo de professor, nenhum alcançava três vagas, dezenove tinham apenas um posto e somente um edital disponibilizava duas vagas.

Os dados estão publicados na página do Departamento de Recursos Humanos da Coordenadoria de Administração Geral da USP.

Já para os cargos técnicos, os três editais de 2023 projetavam 63, treze e três vagas, respectivamente, para os cargos de Analista de Assuntos Administrativos, Procurador e Médico Veterinário.

Sobre os concursos com um ou dois postos, o Conselho prevê o cálculo de uma pontuação entre a concorrência PPI e a média geral, na qual os PPI recebem um acréscimo.

Para o Diretório Central dos Estudantes, “a política de bonificação, embora importante, é ineficaz para garantir que a USP alcance a mesma porcentagem de docentes PPI [pretos, pardos e indígenas] que a porcentagem desses grupos na população total do estado de São Paulo”.

“A única política afirmativa capaz de assegurar o atingimento da meta é a reserva de vagas”, diz, em nota, o DCE.

O Diretório defendia um concurso público exclusivo para candidatos negros, mas, segundo Carlos Carlotti Junior, reitor da USP, a política foi a melhor alternativa encontrada.

“Não podemos ter uma política muito agressiva, que coloque em risco a qualidade de uma universidade com o prestígio da USP”, afirmou, em entrevista à Folha De S.Paulo. “O sistema de bonificação deve acabar sendo mais usado para os concursos para docentes, já que, em geral, os departamentos abrem apenas uma ou duas vagas.”

A nova política nos concursos deve passar por revisão em 2026. As representações acadêmicas ainda argumentam que a universidade não estabeleceu um prazo para igualar o percentual da composição racial da equipe, o que dificulta, ainda mais, a efetivação da nova medida.

Clique aqui para visualizar a matéria publicada na Carta Capital.

 


'É preciso ampliar as cotas raciais no Brasil em 2023', diz dirigente da CUT-SP

Formado em Direito e especialista em Economia e Trabalho e Gestão Estratégica em Políticas Públicas, o secretário-geral da CUT-SP, Daniel Calazans, tem uma vasta trajetória de militância no sindicalismo.

O primeiro contato que teve com um sindicato foi há 41 anos, quando atuava como auxiliar de serviços gerais, fazendo limpeza em banheiros, vestiários e seções de trabalho dentro da fábrica.

Não teve vida fácil. As memórias da infância ficaram bem registradas na pele. Do barraco em que vivia na periferia do ABC paulista até a imagem de sua mãe batalhando todos os dias, tendo que dividir o alimento entre as crianças para não deixar a fome chegar.

Do lugar que ocupava na fábrica, ainda como ajudante, observava toda atuação sindical do ramo metalúrgico, as comissões de fábrica, o processo de sindicalização, as campanhas de solidariedade e as greves por melhores condições de trabalho.

Não teve contato, no entanto, com qualquer entidade de classe que representasse os trabalhadores da limpeza, função que exercia naquele período.

“De 1981 a 1987, era participante, espectador, admirador e apoiador do movimento grevista do ABC”, lembra.

Em 1987, Calazans se torna metalúrgico, atuando como montador na empresa hoje conhecida como Scania. Seu ingresso na fábrica foi em 2 de fevereiro, por coincidência a data em que se celebra o orixá africano Iemanjá em toda a Bahia, estado onde nasceu Calazans. Neste mesmo dia, há 35 anos, se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Em 1994, teve seu primeiro contato com Luiz Inácio Lula da Silva durante uma visita em ocasião dos 10 anos do Comissão de Fábrica. Foi ali que decidiu se tornar dirigente sindical para contribuir com a organização, mobilização e formação dos trabalhadores.

No ano seguinte, começou uma atuação mais incisiva em seu sindicato nas questões relacionadas à igualdade racial e no combate ao racismo, onde segue sua militância até hoje.

É certo que a história de Calazans não termina por aqui, mas apenas essa parte descrita já permite entender a dimensão de sua atuação como sindicalista, homem negro e militante comprometido com as causas sociais. E foi justamente a partir desse lugar de fala, ouvindo as percepções do dirigente sobre a atual conjuntura política e suas experiências desde o chão de fábrica, que a entrevista para o portal da CUT-SP se desdobrou.

Confira como foi esse bate-papo.

CUT-SP: Quais desafios, como trabalhador negro, você enfrentou dentro do mundo do trabalho e dentro do sindicalismo?

Tratamento diferenciado pelas chefias, sendo inevitável não enxergar o privilégio, prestígio e poder que os trabalhadores brancos desfrutam dentro e fora da empresa para alcançar cargos e promoções melhores.

Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade racializada e preconceituosa em relação à classe social, ao gênero, à orientação sexual e religiosa. O racismo estrutural é percebido em toda sua dimensão, na linha de produção você enxerga o arco-íris, assim como na área administrativa e nos cargos técnicos. Só na chefia que não.

Como você avalia os últimos 4 anos de governo Bolsonaro?

Esse governo destruiu nossos direitos, levou o Brasil de volta para o mapa da fome, com trabalhadores e cidadãos desempregados. A pobreza aumentou e vemos um retrocesso no pacto civilizatório, um avanço das pautas conservadoras neoliberais, a globalização econômica e o sucateamento da soberania nacional.

Também é nítido o aumento de valores fascistas e nazistas, diante de uma política do ódio acompanhada do racismo e do preconceito geral e irrestrito. Um governo que ataca a democracia, o Estado de Direito e as instituições, além de não ter transparência, de aparelhar os órgãos de segurança pública, atacar sindicatos e movimentos sociais.

Quais esperanças o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva traz ao povo brasileiro?

Retorno do pacto civilizatório, fortalecimento da democracia, do Estado de Direito e o respeito às instituições. Acrescento o combate à fome, a retomada do desenvolvimento com inclusão social e a valorização do papel dos sindicatos representativos como guardiões da democracia e dos direitos civis, sociais e políticos.

Em 2023, quais são os caminhos possíveis para superação do racismo no Brasil?

Temos que organizar e mobilizar as nossas lideranças, diretorias, subsedes, sindicatos e ramos para continuarem a fortalecer a pauta de combate a todos os tipos de discriminações, principalmente o racismo, assim como a pauta de gênero.

É preciso dialogar com a sociedade sobre a supremacia branca e seus impactos na vida da população negra, promover o enfrentamento sem trégua ao racismo estrutural e ampliar as cotas raciais em todos os setores da sociedade, assim como promover o estímulo ao fortalecimento do cumprimento das leis 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008, garantindo o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos das escolas no país.

Fonte: CUT SP