Mulheres da CUT definem estratégia de atuação pela democracia do país

O papel e a participação das mulheres no futuro do país foram temas centrais do seminário nacional “Mulheres da CUT”, realizado nos dias 15 e 16 de março em São Paulo e que reuniu dirigentes sindicais da CUT Nacional e de entidades filiadas.

O encontro definiu estratégias de luta para 2023 tanto para a organização das mulheres no movimento sindical como na sociedade. “Tratamos de como vamos trabalhar a volta democracia. Temos um governo democrático eleito, mas ainda há muito o que fazer”, afirmou Juneia Batista, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT.

Um dos exemplos que ilustram a luta que ainda se faz necessária é para que o Congresso Nacional com forte tendência conservadora aprove a ratificação das Convenções 190 e 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que versam sobre o combate a todas as formas de violência no trabalho e sobre responsabilidades familiares, respectivamente, temas que impactam diretamente as mulheres.

Ao lançar o conjunto de medidas de proteção e políticas públicas para as mulheres, no dia 8 de Março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou que se dependesse de sua vontade, baixava um decreto promovendo mudanças imediatas, no entanto há um processo democrático e lega a ser respeitado que passa pelos parlamentares. Ambas as convenções têm de tramitar na Câmara e no Senado, para serem ratificadas e, então, sancionadas pela presidência da República.

Esta luta é destacada por Juneia e a pressão a ser feita sobre os parlamentares é parte da estratégia das mulheres para o período. “Entendemos que é fundamental a ratificação dessas duas convenções, além de outras medidas, porque é também papel do Estado intervir nessas questões”, ela diz.

A dirigente explica que no caso da Convenção 156, por exemplo, é atribuição do Estado garantir a responsabilidade familiar compartilhada. É comum em nossa sociedade, ainda de caraterística machista e patriarcal, que às mulheres sejam delegadas obrigações como cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos, dos idosos e dos doentes na família.

“Para que haja um avanço nessa questão, não basta apenas uma conscientização das pessoas, de que todos têm que compartilhar essas responsabilidades. É preciso que o Estado brasileiro garanta a creche, os espaços de cuidados dos idosos e outras ações que permitam à mulher ter uma maior autonomia”, diz Juneia.

Por isso, tanto Juneia como as demais dirigentes sindicais afirmam que o país precisa, urgentemente, ratificar e ‘colocar em prática’ essas convenções. Além delas – da 190 e da 156 – outras duas, adotadas no Brasil nos anos 1950 e 1960, versam sobre temas que também impactam as mulheres e nunca foram adotadas.

São elas a Convenção 100 que determina salário igual para trabalhos de igual valor, ou seja, mulheres e homens que desempenham a mesma função devem ganhar o mesmo salário e a Convenção 111 que, de acordo com a OIT, trata da discriminação no mundo do trabalho fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

“Elas foram ratificadas mas até hoje essas medidas não foram adotadas pelo Brasil. Não há políticas públicas que garantam a aplicação delas. Na questão salarial, a própria Constituição de 1988 determina igualdade salarial, mas não há ainda nenhuma política, nenhuma medida efetiva do Estado que garanta isso”, diz Juneia Batista.

Outros temas

Os direitos sexuais e reprodutivos também foram debatidos no seminário com o propósito de ter estratégias que cobrem do Estado políticas de proteção à mulher.

“O direito ao aborto é uma questão de saúde pública e tem que ser visto dessa forma pela sociedade. Deve ser trabalhado como política pública. Enquanto o poder público negligencia sua responsabilidade, o dever de se precaver recai sempre sobre os ombros das mulheres”, diz a dirigente.

As mulheres também debateram sobre a violência obstétrica praticada, em especial, contra as mulheres mais pobres, periféricas e negras. Não são raros os casos de gestantes que ficam horas a esperar o atendimento e na hora do parto e que sofrem mais uma violência durante a intervenção do parto pelo médico.

"Ou seja, além de esperarem o atendimento necessário, há casos em que durante o procedimento, as mulheres acabam sofrendo ainda mais por causa da falta de éitca, de profissionalismo e cuidado por parte dos profissionais ao lidarem com o corpo da mulher", explica a dirigente.

Movimento sindical

Para além de questões fundamentais para as mulheres e estratégias para ocupar espaços de poder na sociedade, as mulheres da CUT, durante o seminário, ainda traçaram os caminhos a serem trilhados para que dentro das entidades sindicais, esses espaços também tenham, no mínimo, a paridade em espaço de poder, ou seja nos cargos mais altos dos sindicatos e das entidades.

Unidade é a nossa meta. Ninguém solta a mão de ninguém

- Juneia Batista

A CUT instituiu a paridade em 2012 em seu 11º Congresso e já em 2015, a diretoria contemplava a igualdade de gêneros. No entanto, Juneia afirma, “queremos uma mulher presidente da CUT já em 2027”. Para o próximo Congresso, a ser realizado em outubro deste ano, pelo estatuto da Central, o presidente Sérgio Nobre tem direito à reeleição.

“Vamos já começar a rearticular a nossa participação nos encontros estaduais que antecedem o Congresso da CUT e na escolha dos delegados e delegadas que participam dele, garantindo que, no mínimo, metade sejam mulheres”, afirma Juneia.

Estamos lutando para construir um futuro na sociedade onde as mulheres, de uma vez por todas, tenham seu espaço de direito, sem precisar pedir licença para os homens, que seja um processo natural

- Juneia Batista

Seminário

O início das atividades teve a participação do Solidarity Center, braço da AFL-CIO, central sindical dos Estados Unidos, parceira na organização do seminário, citando a importância do encontro.

Ainda na abertura, para subsidiar os debates, foi feita uma análise de conjuntura, apontando os principais obstáculos, ainda existentes na sociedade, e que dificultam o avanço das pautas das mulheres. O debate foi apresentado pelas dirigentes da CUT Nacional abordando os temas:

Trabalho, com a vice-presidente da CUT, Juvândia Moreira;

Formação profissional e cooperativismo, com a diretora-executiva Mara Feltes;

Trabalho e saúde, com secretária-adjunta de Saúde do Trabalhador, Fátima Veloso;

Violência, com a Secretária de Mobilização e Relação com os Movimentos Sociais, Janeslei Albuquerque;

Organização, com a secretária de Organização, Graça Costa;

Trabalho doméstico, com a Secretária-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Cleide Pinto;

Para finalizar a apresentação, o tema Políticas públicas e o mundo digital, foi apresentado por Junéia Batista. A abordagem diz respeito às novas tecnologias dadas pela chamada 4ª Revolução Industrial, que já vem afetando o mundo do trabalho e impactam ainda mais as mulheres, que perdem direitos, tem aumento da sobrecarga dos cuidados da casa, filhos, doentes, além de perderem conquistas importantes como vale-refeição e alimentação, entre outros.

"A mulher trabalha e tem seu salário e recebe seus benefícios. Mas com o home-office, que é um reflexo do avanço da tecnologia, muitos desses benefícios estão sendo cortados. Mas eles funcionam como complemento salarial e garantem a sobrevivência de mutias mulheres", exemplifica Juneia

Logo após, a Secretária de Autonomia Econômica e de Política de Cuidados do Minsitério das Mulheres, Rosane Silva, falou sobre os compromissos do governo Lula com as pautas e o que esperar do parlamento.

No dia 16, último dia do seminário, grupos de trabalho definiram as prioridades entre os temas e o planejamento de ações a serem adotadas.

 


Governo atende reivindicações históricas da CUT para as mulheres

Pelos menos três reivindicações pelas quais as mulheres da CUT e de outros movimentos lutam há décadas foram anunciadas pelo governo do presidente Lula (PT) na quarta-feira (8), Dia internacional de Luta das Mulheres. Em cerimônia no Palácio do Planalto, Lula assinou mensagem ao Congresso Nacional solicitando a ratificação da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do combate à violência. Assinou também mensagem pela ratificação da Convenção 156, que prevê igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres com encargos familiares. Ou seja, aqueles e aquelas que são responsáveis pelo cuidado de pessoas, adultas ou crianças, que não têm condições de cuidarem de si mesmas e que, portanto, dependem do apoio e da ajuda de outra pessoa para viver.

E, por último, mas não menos importante, um projeto de lei determinando a igualdade salarial entre os gêneros.

Nos três casos, as medidas precisam ser analisadas e aprovadas por deputados e senadores, o que significa que a luta continua nas ruas para a sociedade entender a importância das medidas e no Congresso, para pressionar os parlamentares a votar a favor, alerta a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT nacional, Juneia Batista.

“Foi uma conquista histórica das mulheres, mas a luta continua”, afirma.

“Mais uma vez a mobilização e a pressão serão fundamentais para que as ratificações das  Convenções a lei sejam aprovadas”, diz Juneia.

Segundo a dirigente, não foi surpresa o pacote de medidas anunciado pelo governo Lula, que tem como uma das prioridades a defesa de nossos direitos.

“Já havia a indicação de que essas medidas seriam tomadas para que o retrocesso vivido nos últimos anos fosse revertido e que conseguíssemos retomar os avanços que vínhamos conquistando até golpe contra Dilma Rousseff. E aconteceu, o que, realmente, é algo histórico”, pontua a dirigente.

Convenção 190

A Convenção 190, que reconhece o direito de todas as pessoas, não apenas mulheres, a um mundo de trabalho livre de violência e assédio, que são definidos como comportamentos, práticas ou ameaças que visem e resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos para os trabalhadores e trabalhadoras.

De acordo com a Convenção, os Estados-membros têm a responsabilidade de promover um ambiente geral de tolerância zero contra atitudes patronais prejudiciais aos trabalhadores.

“É certo que a convenção é para todos. Os homens também sofrem esse tipo de violência no ambiente de trabalho, seja na cobrança por produtividade, metas ou por questões de competitividade, mas, historicamente, as mulheres são as vítimas mais vulneráveis, as que mais sofrem”, diz Juneia, que acrescenta: “O machismo é ‘tão cruel’ que exacerba o nível de opressão quando se trata de assédio envolvendo a mulher”.

“Por isso, foi tão importante para nós Lula assinar a mensagem ao Congresso no dia de luta das mulheres”, completa a dirigente.

Para entrar em vigor, ou seja, para ser ratificada, a Convenção precisa tramitar no Congresso Nacional, passando por regulamentação. Após aprovada, é sancionada em forma de lei pelo presidente da República.

E este é um ponto de atenção, reforça Juneia. “É preciso nos mobilizarmos e fazermos pressão sobre os parlamentares para que aprovem e as propostas virem”, ela diz.

Convenção 156

Outro marco histórico, avalia a dirigente, foi o anúncio da ratificação da Convenção 156 da OIT. Segundo a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, em uma sociedade com características ainda predominantemente patriarcal e, portanto, machista, em que a responsabilidade de cuidar de pessoas acaba sempre sendo relegada às mulheres, assim como os afazeres domésticos, ter uma lei que garanta a equidade entre os gêneros é fundamental.

Para exemplificar a situação, Juneia cita até mesmo as entrevistas de emprego. “Quando perguntam para um homem se ele tem família e filhos, principalmente, e ele diz que sim, esse homem é visto como um ser responsável, de valores, mas quando é a mulher, ela é vista como um problema porque terá de cuidar desses filhos e isso não interessa ao capitalismo”, diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT.

A aprovação pelo Congresso vai significar um grande avanço no que diz respeito às reponsabilidades compartilhadas, colocando homens e mulheres em pé de igualdade em suas obrigações familiares, avalia a dirigente.

Igualdade salarial

Apesar de a Constituição brasileira garantir a equiparação salarial para pessoas de gêneros diferentes quando exercem igual função, as mulheres ainda ganham, em média, somente 70% do que ganham os homens. Duas convenções da OIT, a 100 e a 111, ainda dos anos 1950, tratam do tema, mas não o Brasil ainda não colocou em prática a igualdade salarial.

O projeto de lei do governo federal que determina a igualdade salarial entre homens e mulheres, outra pauta prioritária da CUT, também anunciado nesta quarta, representa outro avanço importante para a luta das mulheres, na opinião de Juneia Batista.

Segundo ela, aprovada pelo Congresso, a medida vai garantir justiça no reconhecimento profissional e uma maior independência econômica.

De acordo com análise do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap, o texto da lei (veja abaixo) deverá mexer com regras dispostas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Durante o pronunciamento, para justificar o andamento legal da lei para promoção da igualde salarial, Lula afirmou que “a igualdade de gênero não virá da noite para o dia, mas precisamos acelerar esse processo. E, se dependesse desse governo, a desigualdade acabaria hoje mesmo por um simples decreto do presidente”.

Medidas

A proposta de legislação é de que haja mecanismos de transparência salarial e remuneratória nas empresas, fiscalização contra discriminação salarial, além de aplicação de sanções administrativas às empresas e a atuação da Justiça para garantir a igualdade.

Veja o texto da lei clicando aqui

Em entrevista à imprensa, na semana passada, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cida Gomes, havia dito, inclusive, que seriam realizadas campanhas e ações de incentivo às empresas que promovem e adotam a igualdade salarial entre mulheres e homens.

Dignidade Sexual

Entre as 24 medidas anunciadas, o programa de distribuição de absorventes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é uma iniciativa que traz ‘dignidade sexual’ às mulheres.

Juneia Batista cita a constrangedora situação de mulheres de baixa renda e em situação de rua, além das meninas mais jovens nessas situações que sofrem por não ter acesso ao item, básico e essencial para todas.

“Lembro quando estava na escola e nós, meninas pobres, tínhamos de usar toalhinhas, inclusive de papel. O Estado tem responsabilidade sobre isso uma vez que a população – as mulheres – de baixa renda não pode comprar os absorventes”.

Para ela, é importante que o governo coloque a medida em prática o mais rápido possível para atender a essa população.

Medida da mesma natureza havia sido negada pelo governo anterior. Em 2021, foi vetada a distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, que era a principal medida determinada pelo programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214)