A redução de direitos e o impedimento de acesso à Justiça não beneficiou a economia, não diminuiu o desemprego, ampliou a informalidade, majorou o sofrimento no trabalho e o número de acidentes.

A entrevista

Ouvindo com bastante cuidado a entrevista concedida pelo Presidente da República à rede de televisão aberta SBT, no dia 03/01/19[i], não se extrai a conclusão de que o novo governo tenha um projeto concebido para acabar com a Justiça do Trabalho.

De fato, a pergunta, em tom de sugestão, veio da jornalista que o entrevistava, Débora Bergamasco, com reforço posterior do outro jornalista, Thiago Nolasco. Mas, é certo também que, embora tenha tratado o tema com muito cuidado, primeiro, o Presidente não rechaçou a ideia e, segundo, nada garante que o tema da entrevista não tenha sido previamente estabelecido.

De todo modo, o tom da entrevista foi indutivo e isso já se constata logo no início, quando o âncora, Carlos Nascimento, antes mesmo de formular qualquer pergunta, afirma: “Nós sabemos que a reforma da Previdência é fundamental nesse ponto do seu governo, até para viabilizá-lo. Porque se a reforma for aprovada tudo tende a correr muito melhor”.

Na sequência, Bergamasco tratou o tema do aumento da contribuição previdenciária dos aposentados de 11 para 14% como sendo uma iniciativa que representaria um “corte de privilégio”, no que, inclusive, foi contrariada pelo Presidente.

Falava-se de Previdência e o tema sobre os direitos trabalhistas foi introduzido por Nascimento, também já dando o direcionamento para a resposta, citando fala do Ministro Paulo Guedes, no sentido de que o governo iria “abandonar definitivamente a legislação fascista da CLT”[i]. Só, então, indagou: “pode vir aí uma nova reforma trabalhista?”

Na resposta, o Presidente começa reconhecendo que os direitos trabalhistas estão fixados no art. 7º da Constituição Federal, que estando inserido do conceito da cláusula pétrea, não pode ser alterado nem mesmo por Emenda à Constituição. Depois, sem dizer nada em concreto a respeito, se perde reproduzindo os mesmos chavões que ouviu falar de alguém e que há décadas vêm sendo utilizados para atacar os direitos no Brasil e, de forma mais explícita, nos anos 2016 e 2017, quando se debateu a reforma trabalhista.

Disse o Presidente que é preciso “facilitar a vida de quem produz no Brasil” e que “o Brasil é um país de direitos em excesso, agora, falta emprego, porque quando você pensa em produzir alguma coisa, quando você vê a questão dos encargos trabalhistas, que atrapalha a todo mundo no Brasil, aquela pessoa desiste de empreender. Olha os Estados Unidos por exemplo, lá não tem quase direito trabalhista nenhum. Não adianta você ter direito e não ter emprego, não ter trabalho. Então, a ideia é aprofundar mais ainda a reforma na legislação trabalhista, sem tirar direito de ninguém, porque você não pode nem pensar nisso porque os direitos estão previstos no artigo 7º da Constituição.”

Nolasco insiste no tema e indaga: “O Sr. acha que facilitar vai criar para o empresário um estímulo para criar emprego?”

A resposta foi desviada do foco e complemente fora de um parâmetro institucional, ferindo, inclusive, um dos requisitos constitucionais da administração pública, o da impessoalidade (art. 37 da CF). Tratando de um caso específico de atuação do Ministério Público do Trabalho, o Presidente, inclusive, deixou no ar certa ameaça ao Ministério Público do Trabalho, afirmando que haveria uma “politização” no órgão (“quase uma regra”) e que, com isso, os procuradores do trabalho estariam “trabalhando contra” si próprios.

Foi nesse ponto, pegando o gancho dessa fala mais assertiva do Presidente, que Bergamasco se sentiu bem à vontade para indagar, sugerindo: “O Sr. acha que a Justiça do Trabalho deveria acabar?”

A resposta foi meio sem convicção e, novamente, repetiu muitos lugares comuns de antigos adversários dos Direitos Sociais no Brasil:

“Eu acho que… qual país do mundo que tem? Tem que ter Justiça comum. Tem que ter a sucumbência. Quem entrou na Justiça, perdeu, tem que pagar. Até um ano e meio atrás, no Brasil, eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Ninguém aguenta isso. Nós temos mais ações trabalhistas que o mundo todo junto. Então algo está errado. É o excesso de proteção. É igual um casamento: se há um ciúme exacerbado de um lado e de outro, esse casamento tem tudo para acabar.”

Não satisfeito com a resposta inconclusa, Nolasco insistiu, quase que requerendo: “E o governo do senhor vai mandar um projeto de lei, alguma proposta para acabar com a Justiça do Trabalho então?”

A resposta nesse ponto foi ainda mais discreta e, como se diz popularmente, “cheia de dedos”, sendo novamente desviada para a questão do custo dos direitos trabalhistas.

Disse o Presidente:

“Isso daí a gente poderia até fazer, está sendo estudado. Em havendo clima, nós podemos discutir essa proposta e mandar pra frente. Nós queremos… Você pode ver, a mão de obra no Brasil é muito cara. O empregado ganha pouco, mas a mão de obra é cara. Eu costumo dizer, né: é pouco para quem recebe e muito para quem paga. Nós devemos modificar isso daí. Alguém ganha R$1.000,00 por mês, o patrão tá gastando na verdade R$2.000,00.”

2. A banalização…

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Jorge Luiz Souto Maior – * Jorge Luiz Souto Maior é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região e professor. Texto originalmente publicado em seu blog

 

Fonte:Jorge Luiz Souto Maior