“Quanto mais emprego, mais salário, mais contribuição e menos déficit” (Lula).

Já está no Congresso Nacional a PEC 06/2019, da “Nova Previdência” de Bolsonaro. Trata-se de um ataque em regra aos direitos à aposentadoria, assistência social e de saúde que fazem parte do sistema de Seguridade Social existente no Brasil.

Sim, pois a Previdência pública, baseada no regime de repartição (quem está na ativa financia o aposentado) é uma conquista maior do movimento operário pelo seu caráter coletivo, solidário e a obrigação dos patrões de contribuírem para o sistema (para além da contribuição do próprio trabalhador e outras fontes de financiamento garantidas pelo Estado).

Por isso mesmo é atacada por governos a serviço do capital em toda a parte, visando criar uma situação que empurre os trabalhadores para a previdência privada (fundos de pensão, capitalização individual) gerando um bilionário negócio que é especular com a poupança do trabalhador no mercado financeiro.

Previdência e luta de classes

É por isso que o setor financeiro, do qual saiu o ministro Paulo Guedes é o que tem mais interesse na “reforma” da Previdência, pois além de aumentar o número de trabalhadores que serão empurrados para a previdência privada, vai liberar recursos para o pagamento de juros da dívida pública em mãos de banqueiros e especuladores. Os demais setores do empresariado capitalista também a apoiam, para pagarem menos para o INSS, reduzindo seus custos e aumentando assim os seus lucros.

A batalha para barrar a PEC 06 tem assim um claro conteúdo de “classe contra classe”, capitalistas contra o conjunto da classe trabalhadora!

No Brasil, logrou-se incluir na Constituição de 1988 a Seguridade Social (Previdência, saúde e assistência social) como um direito social. Agora, o governo agita um falso déficit “incontrolável” na Previdência e o combate a privilégios que não estão no RGPS (regime geral do setor privado) e no RPPS (regime próprio do servidor).

imagem 4 mudança no regime

Se aprovada a PEC 06, o que exige 308 votos na Câmara e também 3/5 no Senado, futuras mexidas na Seguridade Social poderão ser adotadas por leis complementares (maioria simples). Assim, os direitos ligados à Previdência seriam retirados da Constituição, inclusive a obrigatoriedade de reajuste pela inflação de quem ganha mais que um Salário Mínimo (SM).

Todos e todas teriam que trabalhar mais tempo e contribuir mais, para receber aposentadorias menores e por menos tempo de vida.

Não há nada a negociar, derrotar a PEC 06

O ponto de partida da batalha contra a PEC 06 – nos apoiando nos resultados da CPI do Senado realizada em 2018 por iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), que demonstrou a falácia do “rombo da Previdência” (que até 2015 era superavitária) e indicou dívidas de empregadores de mais de 450 bilhões de reais – é a oposição global à mesma: não há nada a ser negociado, pois trata-se da pura e simples perda de direitos!

Na atual relação de forças no Congresso, entrar numa linha de “minorar os males” só legitimaria esse ataque destruidor. Como disse Lula desde sua prisão em Curitiba, a situação da Previdência resume-se em “quanto mais emprego, mais salário, mais contribuição e menos déficit”. Seu equilíbrio depende do nível de emprego, carteira assinada (setor privado) e ocupação de cargos vagos com concursos no setor público.

Mas o governo vai na direção oposta: proíbe novos concursos públicos (EC 95) e destrói a CLT, sucateando assim a Previdência para depois justificar uma “reforma”. Com a PEC 06 a tendência será aprofundar a crise socioeconômica, pois a brutal redução de pensões daqueles de menor renda e das áreas rurais provocará a redução do consumo popular e a retração do mercado interno. É um círculo destrutivo que foi aberto com a EC 95 (congela gastos públicos por 20 anos) e a contrarreforma trabalhista que aumentou a precarização da mão de obra.

Por isso é que a batalha para barrar a “reforma” da Previdência é a questão central tanto para o governo a serviço dos verdadeiros privilegiados, que são os capitalistas locais e estrangeiros aos quais serve, quanto para o movimento de resistência dos trabalhadores em defesa de seus direitos.

Os prejuízos são para todos os trabalhadores

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Ainda mais perversa para as mulheres

As mudanças previstas com a PEC 06 ignoram – e agravam – as desigualdades de gênero que caracterizam o mercado de trabalho e as relações sociais no Brasil. As mulheres estão majoritariamente em ocupações de menores salários (educação, saúde e serviços sociais) – mas mesmo dentro dessas ocupações, a remuneração masculina foi 67,2% maior que a feminina no 4º trimestre de 2018. Na média geral, os homens recebem 40% a mais que as mulheres no país.

As mulheres, via de regra, assumem a responsabilidade pelos afazeres domésticos e pelas tarefas de cuidados com a família, impedindo-as de construir uma trajetória laboral contínua. Não à toa, em 2017, entre as mulheres que se aposentaram por idade (a maioria das aposentadas) 50% delas tinham contribuído por apenas 16 anos. Imagine-se o impacto gerado pelo aumento do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 20 anos! Em 2018, quase metade (47%) das mulheres inseridas no mercado de trabalho não possuía registro em carteira, o que dificulta a contribuição previdenciária. Entre as domésticas, 62% não fazem o recolhimento.

Com a adoção da capitalização individual, as mulheres, que já recebem menos que os homens nas atuais regras, vão receber cada vez menos pois dependerão de suas contribuições individuais.

Além disso, no caso da aposentadoria do RGPS (setor privado), as mulheres terão ainda o aumento na idade mínima de 60 para 62 anos. No caso da aposentadoria dos professores, categoria na qual 80% são mulheres, as exigências serão igualadas, com idade mínima de 60 anos!

A PEC 06/2019 também propõe restringir os valores e as atuais regras de acesso às pensões por morte (das quais 83,7% dos beneficiados eram mulheres em 2017), e ao BPC (59,1% mulheres, justamente aquelas que não atingiram os 15 anos de contribuição).

imagem 5 valor do benefício

Professores

Os professores e professoras serão uma das categorias mais penalizadas, como demonstra a tabela abaixo.

imagem 2 professores

Trabalhadores Rurais

Os agricultores familiares nem sempre têm renda para contribuir com o INSS, e por isso estão na categoria de “segurados especiais”. A PEC prevê 20 anos de contribuição e idade mínima de 60 anos para homens e mulheres do campo se aposentar. Além disso, o grupo familiar terá de contribuir com, no mínimo, R$ 600,00 ao ano, mesmo se não produzirem nada no período. Hoje a idade mínima para os trabalhadores da agricultura familiar é de 55 anos para as mulheres e 60 para os homens, com obrigatoriedade de comprovar 15 anos de atividade rural.

Servidores Públicos

Hoje os servidores públicos federais se aposentam aos 60 anos com, no mínimo, 35 anos de contribuição e as mulheres com 55 e 30 de contribuição. O teto é igual ao dos trabalhadores da iniciativa privada, R$ 5.839,46. O benefício do servidor aposentado passou a ser calculado de acordo com a média de sua contribuição a um fundo de previdência. Servidores estaduais e municipais que tem regimes próprios, seriam também atingidos pelas novas regras da PEC 06.

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Capitalização individual

A capitalização prevê que cada trabalhador faz a própria poupança, depositada em uma conta individual. Na prática, isso significa que o valor da aposentadoria depende do rendimento que ele tiver em sua conta individual. Rendimento que será utilizado pelos bancos ou administradores para jogatinas no mercado financeiro – sem qualquer controle do trabalhador – o que leva a situações desesperadoras para aposentados como ocorre hoje no Chile (“reforma” imposta pela ditadura Pinochet).

Pensão por morte e Acúmulo de benefícios

A PEC 06 diminui para 50% o valor da pensão por morte dos cônjuges e órfãos. No caso dos viúvos e viúvas, a proposta prevê 10% a mais por cada dependente. Pelas regras atuais, é possível o acúmulo de pensão e aposentadorias. Já a PEC restringe essa possibilidade e reduz o valor do benefício: se uma pessoa for acumular aposentadoria com pensão poderá escolher o benefício de valor mais alto e o outro vai ser repassado com desconto, de acordo com reduções por faixas escalonadas de salário mínimo.

Benefício de Prestação Continuada (BPC)

A idade mínima do BPC, no valor de um salário mínimo por mês pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de miséria, passa de 65 para 70 anos, com a criação de um “bônus” de R$ 400,00 para maiores de 60 anos (menos da metade do salário mínimo). Pessoas com deficiência continuam com a regra atual.

Alíquotas progressivas

São introduzidas quatro novas alíquotas para a contribuição do trabalhador do setor privado –até 1 SM de 7,5%, até 2 mil reais de 9%, até 3 mil de 12% e até o teto do INSS (5.839 reais) 14%. Para os servidores públicos, além dessas, há ainda mais segmentos da classe trabalhadora satisfazer o “mercado” mais contribuição e menos déficit” (Lula) quatro alíquotas: do teto do INSS até 10 mil reais de 14,5%; até 20 mil reais de 16,5%; até 39 mil reais de 19% e acima deste valor de 22%. Hoje, no setor privado, as alíquotas vão de 8% a 11% e no setor público ela é de 11%.

Este aumento “progressivo” de alíquotas vai ser apresentado pelo governo como a grande novidade por taxar mais os salários mais altos, como se fosse o imposto de renda. Mas Previdência não é imposto, é um direito social, e taxar uma ínfima minoria que ganha mais de 20 mil reais, por exemplo, vai servir de cortina de fumaça para o aumento de alíquotas para trabalhadores que ganham até o teto do INSS, vale dizer os operários ou outros profissionais que ganham menos de 6 mil por mês e passarão de 11% para 14% de alíquota. Já o desconto para os trabalhadores que ganham até 1 SM será de apenas menos 0,5%.

FGTS

A PEC traz itens de legislação trabalhista que nada têm a ver com Previdência: os patrões podem ficar livres de pagar a multa de 40% sobre os depósitos efetuados no FGTS daquele que se aposentar e continuar trabalhando na mesma empresa. Eles também não precisarão mais continuar recolhendo o FGTS dos empregados aposentados.

Hoje, o trabalhador se aposenta, recebe o valor que tem depositado em sua conta do FGTS e, se continuar trabalhando, o patrão continua depositando 8% na sua conta. Quando a empresa demitir esse trabalhador, ele recebe todos os direitos trabalhistas e os 40% da multa do FGTS.

 

Fonte:Texto originalmente publicado no jornal O Trabalho